Ana Rocha de Sousa: a Veneziana
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Ana Rocha de Sousa: a Veneziana

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Fotografia © Carlos Ramos

Ana Rita Rocha de Sousa

Cargo: realizadora e atriz

Nascimento: 25/10/1978 (41 anos)

Nacionalidade: Portuguesa (Lisboa)

 

Em 2014, algumas figuras do meio cinematográfico nacional negaram-lhe competência e estatuto para integrar o júri do Instituto Português de Cinema e Audiovisual (ICA). Reclamavam que lhe faltava perfil para decidir o que se filma e o que não se filma em Portugal. Que bastava olhar para o currículo de atriz light, iniciada em séries televisivas para adolescentes e telenovelas, para tirar conclusões. Omitiram o percurso académico e o de realizadora, já então com obra feita. A polémica alargou-se, levou a demissões na Associação de Realizadores Portugueses e Ana Rocha de Sousa acabou por desistir.

Dela, dizem, só desiste do acessório. É na luta “pelo essencial” que combate o preconceito. No caminho que escolheu – o da realização e da interpretação – é Ana, a resiliente. Resiliência premiada agora em “Listen”. A primeira longa-metragem da realizadora, sobre uma família de imigrantes portugueses separada pelos serviços sociais britânicos, mereceu seis prémios no Festival de Veneza, dois deles particularmente importantes – o Leão do Futuro de primeira obra, que dedicou à filha Amália, e o especial do júri da secção competitiva Horizontes.
“O reconhecimento chegou de uma forma tão digna e tão justa. As pessoas que atacaram a Ana vão certamente sentir alguma coisa”, diz Lúcia Moniz, amiga antiga e protagonista do filme. Porque, concluiu, “houve muito preconceito, e com más intenções”.

Por isso “esta descompressão, este libertar de lágrimas”, continua a atriz. “A Ana teve um percurso muito duro, e esteve muitas vezes sozinha. Houve momentos em que os amigos se sentiram impotentes.” Ana, a resiliente otimista. “Por muito duras que sejam as situações, encontra algo que a faz olhar em frente.”

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Créditos: Direitos Reservados

 

Lúcia recorda o telefonema em que a amiga a desafiou para integrar o elenco. E o dia em que recebeu o guião. “Lidas as primeiras 15 páginas, percebi que era um guião incrível. Decidi que queria fazer o filme. Nem precisava de ler mais. Estava impressionada e orgulhosa.”

No plateau a realizadora é “muito”: muito calma, muito concreta, muito assertiva. A pequena estatura contrasta com “a enorme presença”. É firme e rigorosa. “Não deixa passar um plano que não seja o que idealizou. Com ela, o ‘está bom’ não existe.”

Paula Neves corrobora. Ela e Ana conheceram-se em 1997 nos castings da série juvenil “Riscos”. Foram ambas escolhidas. “Já então pensava e questionava as cenas. Nunca estava satisfeita. Queria sempre fazer melhor, o que por vezes lhe provocava alguma angústia.” Angústia teve também quando foi decidido que a personagem que interpretava teria de cortar o cabelo. “Não foi pacífico. A Ana tem uma relação muito forte com o cabelo.” Ri. Sobre o que se passou em Veneza, refere que “a emoção é avassaladora”. Numa profissão “nada fácil, é preciso ter uma persistência do tamanho do Mundo”.

Rodrigo Areias produziu “Listen”. Pressentiu o prémio: “Tendo em conta a insistência do festival para eu estar presente, sabíamos que ia acontecer alguma coisa, nem que fosse uma menção; mas nunca pensámos que fossem seis prémios, entre os quais dois prémios oficiais”.

De Ana Rocha de Sousa guarda uma forte primeira impressão. “Vi uma pessoa de garra e determinação absolutas.” Não puderam estar juntos em Veneza, mas falaram longamente ao telefone. “Está excitadíssima, mas também cansadíssima.” Ambos sabem que Veneza “é o princípio de algo”, resultado de “muitas horas de trabalho e rigor”. Releva a calma da realizadora. O espaço que dá aos atores. E à criatividade.

“A Ana é muito luminosa, o olhar transmite luz. Sorri com o olhar”, observa Lúcia Moniz. “Aparentemente extrovertida, tem um lado fechado que exige confiança e uma relação trabalhada”, acrescenta Paula Neves. “A Ana não é uma simpatia à primeira vista. Não gosta de qualquer pessoa e não está disponível para qualquer pessoa; questiona-se e questiona os outros.” Conclui: “A Ana tem de ser conquistada e tem de conquistar”. Assim foi em Veneza.

Alexandra Tavares-Teles

NM

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