Palavreado
Crónicas

Palavreado

De que serve termos inventado as letras e as palavras, se não nos entendemos? De que vale termos números e equações e no final as nossas contas nunca baterem certo?

Uma palavra vale por si ou vive dentro do significado que cada um lhe atribui? Uma flor terá que imagem na tua cabeça? Será uma margarida, uma rosa, uma gerbera? E um gato, será persa, europeu‑comum, siamês? De que tom azul é o céu sobre o qual falam os teus poemas?

Se te falo de amor, no que pensas? Na minha cara, no meu corpo, na minha voz ou noutra coisa, noutra pessoa? Terá cor, o amor? Qual a sua cor de fundo?

Dar a palavra pode ser complicado e acabar por dar antes o dito por não dito. Há muitos oradores disso: do diz que disse e do dito por não dito. Será física quântica aplicada à ciência dos factos: terei mesmo dito isso que afirmas, se aquilo em que estava a pensar quando o disse é diferente da tua interpretação?

Se o juízo estiver avariado, as palavras contam como verdadeiras? Não se pode confiar no que os malucos dizem, porque o que pensam não corresponde à realidade, mas pode confiar‑se no que um estranho diz, sem saber no que está a pensar quando o diz?

As palavras aleijam. Fazem cócegas. E podem fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Se assim for, será humor. Se aleijar quem geralmente aleija os outros é do bom. Humor sem aleijar ninguém é humor ou piada?

E as palavras deverão ter censura ou o pensamento que expõem é que deve ser alvo de aten‑ ções? Uma palavra certa no sítio errado pode ser perdoada? E uma palavra errada no sítio certo, também? O que importa mais, o que o cérebro do outro diz ou o que o nosso pensa que ele está dizer?

Quanto ao silêncio: será mesmo de ouro? Podemos calar ‑nos, se nunca falámos? Como encontramos a nossa voz, se não a usamos?

As palavras certas não costumam conseguir muitas amizades. Mas, afinal, o que é certo? O que nos dá paz de espírito, será?

O valor de uma palavra não está na sua certeza, mas naquilo que ela desperta em nós. Somos nós que as construímos, as palavras que os outros nos dão. O significado e o poder são‑lhes dados por nós, que as ouvimos e escolhemos a importância que têm na nossa vida.

Ana Bacalhau
Cantora
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