Salvem as crianças… mas só antes de nascerem
CidadaniaCrónicas

Salvem as crianças… mas só antes de nascerem

revista amar - aborto - tiroteiro

 

Enquanto o mundo debate a questão do aborto, focando-se num feto que ainda não nasceu, viramos a cara aos vários problemas que conduzem à morte de milhões de crianças. Parece ser mais importante administrar o direito individual de uma mulher do que tomar uma ação eficaz sobre assuntos onde não é necessária discussão.

Apesar de compreender que o aborto seja um tema polémico e que nunca terá consenso, não consigo compreender a necessidade de dominar uma escolha alheia. Certamente quem opta por essa rota fá-lo por necessidade, seja por questões financeiras ou emocionais. No próprio debate sobre este tema opta-se por culpabilizar exclusivamente a mulher. Não acredito que haja uma grande parte da população que recorra ao aborto frequentemente pelo impacto psicológico que uma escolha dessas acarreta. E para quem quer vir com a teoria do “quem anda há chuva molha-se”, pois bem, então andamos todos, já que são poucas as vezes que o ser humano tem relações sexuais apenas para procriar.

E quando uma mulher decide dar continuidade a uma gravidez, segue-se o “quem os fez que os crie”. Gostaria que fosse colocado tanto esforço a construir uma sociedade segura para uma criança quanto o esforço feito para manipular o poder de decisão dos outros sobre a sua própria vida. Tal como o comediante George Carlin disse “If you are pre-born, you’re fine, if you’re preschool, you’re f****.”

Esta semana, o Norte da América parou novamente depois de mais um tiroteio numa escola primária dos Estados Unidos. Neste momento, existiram mais tiroteios em massa nos Estados Unidos (213) do que dias no ano (145). Apenas este ano, já ocorreram mais de 27 tiroteios em escolas. Este é o quinto tiroteio só este mês: 16 pessoas ficaram feridas num ataque em Milwaukee; 10 pessoas morreram num ataque racista em Buffalo; uma pessoa morreu e quatro ficaram feridas num ataque na Califórnia e dois homens morreram e três ficaram feridos num mercado em Houston. Além dos tiroteios em massa, as armas de fogo são a principal causa de morte de crianças e adolescentes nos Estados Unidos. Afinal, uma arma vale mais do que uma criança? Ou só pretendem lutar por aquelas que ainda não nasceram?

Há quem tente justificar o sucedido com os problemas de saúde mental que os Estados Unidos possam enfrentar. Pode ser um facto, mas não é uma desculpa. Se é assim, então chegou a hora de se investir em programas de apoio às comunidades, aliás, de acesso à saúde em geral. A Austrália que tem o mesmo nível de doenças mentais que os EUA, teve o seu último tiroteio em massa em 1996, duas semanas depois foram adotadas leis de controlo de armas que impediram que uma situação destas se repetisse. Na terça-feira (24), foram mortas 21 pessoas numa escola primária no Texas – 19 eram crianças com idades entre os 5 e 11 anos –, este é o tiroteio em massa que mais matou depois do horror vivido em 2012 na escola Sandy Hook, em Connecticut, que matou 20 crianças e seis adultos.

Num país onde os conservadores se intitulam de pró-vida, também se passam leis, como a do Estado do Texas (2021), que permite que indivíduos maiores de 21 anos carreguem armas em público sem licença. Atualmente existem 120.5 armas por cada 100 residentes. Se um governo deixa as suas crianças ao abandono e expostas à loucura de adultos instáveis, então nós enquanto sociedade falhamos. Num país onde este género de acontecimentos tem destruído famílias, continua-se sem tomar uma atitude. É possível existir a possibilidade de posse de arma e a de uma sociedade segura, aqui falta o esforço e vontade. Há que implementar leis rígidas e, principalmente, aplicá-las.

É fácil ser pró-vida quando se aponta o dedo às escolhas dos outros. Eu também me considero pró-vida – uma vida em que uma mulher tem escolhas, em que todos têm acesso a saúde e educação, em que rege a igualdade de oportunidade, em que uma criança vive alimentada e num ambiente seguro. Porque existe uma grande diferença entre viver e estar vivo. E existe uma grande diferença quando se vive em estabilidade ou ao desamparo.

Inês Carpinteiro

Redes Sociais - Comentários

Botão Voltar ao Topo