À Conversa com Luísa Rocha
Vem a Toronto para partilhar o seu fado com o público, mas acima de tudo para homenagear um dos grandes nomes do fado português – Amália Rodrigues – “a minha professora da alma”, por quem se deixou encantar, como confessa. Luísa Rocha é um dos nomes seguros do fado em Portugal e encaixa que nem uma luva na Gala do Fado de homenagem a Amália, organizada pelo Clube Português de Mississauga, agendada para o próximo dia 7 de outubro.
Mas nem só do universo Amaliano se fez o seu contacto e percurso no campo do Fado, ela que começou a cantarolar fado aos cinco anos de idade. “Nas minhas referências podemos encontrar uma grande diversidade de fadistas e músicos que contribuíram para o meu crescimento artístico”, sublinha a fadista portuguesa.
Em 2002, após uma paragem de vários anos, motivada por um problema de saúde, recomeçou, no Museu do Fado, a ensaiar com o grande fadista António Rocha. A partir daí, a participação em concursos de fado e convites para participações em projetos musicais avolumam-se.
Depois de uma pequena participação, em 2008, no filme Amália – O Filme, de Carlos Coelho da Silva, no papel da fadista Ercília Costa, onde é a única fadista a dar voz a um fado, Luísa Rocha lança em 2011 o CD Uma Noite de Amor.
Quatro anos passados, em setembro, é lançado “Fado Veneno”, um disco produzido por Carlos Manuel Proença, que inclui poemas de Maria de Lourdes de Carvalho, José Carlos Malato, Gonçalo Salgueiro e Nuno Miguel Guedes, entre outros.
Nesta sua viagem a este lado do Atlântico, a fadista portuguesa faz-se acompanhar por um grupo de profissionais que inclui o guitarrista Guilherme Banza e o apresentador de televisão e locutor de rádio português José Carlos Malato, autor da letra de “Fado Veneno”, o título que dá nome ao seu último álbum.
No horizonte está já um novo trabalho, como revela a fadista: “Estamos a trabalhar no próximo álbum, um álbum ao vivo, gravado na minha zona de conforto, o “Fado em Si”, casa de fados onde canto em Lisboa”.
Mostrando o seu profundo respeito e admiração pela diáspora portuguesa espalhada pelos quatro cantos do mundo – “Há sempre uma carga emocional acrescida quando faço concertos para as comunidades portuguesas” -, Luísa Rocha deixa o convite à comunidade portuguesa de Toronto (Canadá) para que venha assistir a um concerto que “será certamente muito emotivo, mas também cheio de alegrias e de grande partilha”. E garante: “Eu, o Guilherme Banza, Rogério Ferreira, Frederico Gato e o José Carlos Malato estamos a preparar um concerto cheios de surpresas. Não faltem!”
Revista Amar – No próximo dia 7 de outubro vai estar na área metropolitana de Toronto para atuar na Gala do Fado de homenagem a Amália, organizada pelo Centro Cultural Português de Mississauga. Como está a preparar esta vinda ao Canadá?
Luísa Rocha – “Singularidade em cada concerto em cada atuação é uma das características que quero sempre preservar. Há um alinhamento definido que na maioria das vezes vou alterando durante o espetáculo. O fado é uma partilha com público e essa genuinidade não quero nunca perder independentemente de estar em palco ou nas típicas casas de fado, o conceito é diferente, mas o objetivo é sempre o mesmo, que o fado aconteça.”
RA – Esta é uma excelente oportunidade para homenagear um dos nomes do fado que mais a influenciaram, certo?
LR – “Encantamento, é o que sinto por Amália Rodrigues. A minha professora da alma. A perfeição do seu canto, o timbre, a voz, o bom gosto, a inteligência são absolutamente arrebatadores, mas a forma como nos leva para outra dimensão é extraordinariamente única e divinal.”
RA – Para além deste grande nome do fado, que outros os artistas/músicos a têm influenciado ao longo da sua carreira?
LR – “Nas minhas referências podemos encontrar uma grande diversidade de fadistas e músicos que, muito contribuíram para o meu crescimento artístico. Vou apenas lembrar alguns porque a lista é imensa. Carlos Zél, Maria Teresa Noronha, Maria José da Guia, Fernando Maurício, Lucília do Carmo, Maria da Nazaré entre muitos outros.”
RA – Vem acompanhada por Guilherme Banza, um excelente guitarrista que tem acompanhado muitos outros fadistas. Ele esteve cá em janeiro a acompanhar o Gonçalo Salgueiro. Com ele em palco, o fado torna-se mais fácil?
LR – “A cumplicidade entre os músicos e o fadista é fundamental.
O Guilherme Banza, distingue-se pelo seu estilo muito próprio, característica dos grandes músicos, uma das maiores conquistas de qualquer artista, encontrar a sua própria identidade. Não se torna monótono cantar acompanhada pelo Guilherme Banza pela simples razão de ser um músico que não se limita à cópia certa e eficaz que cumpre sempre o objetivo, a que aparentemente resulta. Para além de um excelente executante ele é acompanhador, ou seja, estabelece através da forma como toca uma conversa musical dependendo da forma e do estado de espírito do canto de cada um.
A verdade do fado está na capacidade de nos entregarmos tal como somos, despirmo-nos de preconceitos e darmos tudo o que há em nós a esta paixão pela música.
Esta é uma das características que mais nos une musicalmente, a verdadeira entrega para que tudo seja o mais simples possível nesta verdadeira complexidade a que chamamos fado…”
RA – Ao que tudo indica, também virá José Carlos Malato, autor da letra de “Fado Veneno” …
LR – “Fado Veneno, o título que dá nome ao meu último álbum, escrito por José Carlos Malato de quem me farei acompanhar à semelhança de outros concertos. A sua presença, profissionalismo, amizade e cumplicidade é uma mais valia na nossa forma de apresentar este concerto.
O balanço é extremamente positivo não só pela crítica como pela reação sempre carinhosa por parte do público.”
RA – Quase dois anos depois do lançamento do disco Fado Veneno, em setembro, qual o balanço que faz da receção deste trabalho pela crítica e principalmente por parte do público?
LR – “É muito gratificante termos reconhecimento, é um incentivo para dar continuação ao nosso trabalho. Internacionalmente tive a honra e o privilégio de ver o “Fado Veneno” ser lançado na íntegra pela prestigiada BBC que depois de ter conhecido e divulgado o meu primeiro álbum me fez esta magnífica proposta. Durante estes dois anos foram muitos os países onde levámos o nosso fado, sempre muito bem-recebidos, o que nos deixa muita vontade de continuar a trabalhar e de voltar.”
RA – Há alguma novidade para breve?
LR – “Estamos a trabalhar no próximo álbum, um álbum ao vivo, gravado na minha zona de conforto o “Fado em Si”, casa de fados onde canto em Lisboa. Vamos trazer novidades e vamos trazer também muitos dos temas celebrizados pelas minhas grandes referências, independentemente de hoje ter um repertório próprio estes temas fazem parte de mim também.”
RA – Muitos procuram caracterizar o seu fado, mas nada melhor do que o próprio fadista para explicar o que o fado representa. Aceita fazê-lo?
LR – “O fado representa a minha forma de estar na vida.
Talvez quem me tente caracterizar através do meu canto o consiga fazer com mais exatidão. Muitas são as vezes em que tento ver-me de dentro para fora na tentativa de entender o meu fado, a minha paixão; não tenho essa capacidade, explicar o que é o fado será o mesmo que tentar explicar o que é uma paixão, há coisas que não se explicam, sentem-se!”
RA – Chegou a dizer que se o fado atravessa um bom período, foi porque as gerações anteriores trabalharam e acreditaram que era possível. Podemos afirmar que tudo é agora mais fácil para esta nova geração de fadistas?
LR – “Sim, afirmo e continuo a dizer que as gerações anteriores, trabalharam, persistiram e acreditaram na continuação do fado em tempos muito difíceis, difíceis em termos de respeito e reconhecimento pela canção que define grande parte da nossa cultura, foram eles que se fizeram ouvir. Nós temos a grande responsabilidade de dar continuidade ao trabalho por eles desenvolvido. Hoje é fácil sentir esse respeito pelo fado, porque eles o conseguiram.
Agora as dificuldades no caminho de cada um, continuam…”
RA – E o que mudou quando o Fado foi declarado pela UNESCO, Património Cultural Imaterial da Humanidade?
LR – “Houve sem dúvida uma grande mudança, um aumento de concertos, quer em Portugal, quer no estrangeiro; passaram a organizar-se festivais de fado em várias cidades do mundo; passou a ser possível visitar, em cidades como Paris, Madrid, Buenos Aires ou Seul, exposições temporárias ligadas ao fado, e passou a estar acessível em todo o mundo um roteiro virtual de fado a partir do site do Museu do Fado. Entre muitas outras iniciativas que trouxeram com elas uma aproximação do público em geral, mas principalmente dos portugueses.”
RA – Quando percebeu que o fado era o caminho artístico que queria seguir?
LR – “A minha paixão pelo fado, surgiu quando ainda era muito menina, não consigo ter bem a noção exata se escolhi este caminho ou se foi o caminho que me escolheu a mim, de qualquer forma não quero outro…”
RA – Já lá vão uns aninhos, mas quão especial foi para si a participação no filme Amália – O Filme?
LR – “Foi uma experiência fantástica, é possível que se venha a repetir. Quem sabe desta, num filme com o nome da personagem que representei, Ercília Costa.”
RA – O universo feminino que canta o fado parece estar em forte crescimento. O que atrai uma jovem rapariga a cantar fado e como ela encara a concorrência em Portugal?
LR – “O fado é um género musical apaixonante, é muito fácil de nos identificarmos nas letras que ouvimos cantar, aliado à forma de canto e às melodias envolventes do fado.
Há muita gente nova a cantar, talvez haja mais mulheres que homens, mas isso é irrelevante. O fado não tem sexo, é como os anjos, apenas tem alma.
Sempre houve e vai continuar a haver fadistas que por um motivo ou outro, conseguem uma exposição pública ou uma carreira com mais visibilidade. Para mim não significa que se é melhor ou pior, visibilidade não é sinónimo de qualidade, há fadistas que, por opção até, não querem fazer carreiras internacionais, preferem a intimidade das casas de fado ou seja na minha modesta opinião não devemos viver na arte com ansiedade artista, a concorrência é saudável quando vivida no sentido da evolução e não da posição.”
RA – Assistimos a cada vez mais tentativas de modernizar, inovar ou dar uma roupagem diferente ao fado. Como analisa essa tendência e até que ponto pode prejudicar a “pureza” desta canção nacional?
LR – “A evolução é um caminho natural, não me choca a inovação preservando e conhecendo a tradição. Amália Rodrigues foi a cantora mais experimentalista, sendo sempre o expoente máximo do fado.”
RA – Quem é a Luísa Rocha fora do Fado? Sobra-lhe algum tempo para o lazer e para a vida familiar?
LR – “Amo o fado, mas a minha grande prioridade é a família. Tento gerir o tempo de forma a nunca prejudicar a estabilidade emocional dos que amo.”
RA – Para a comunidade portuguesa de Toronto que não conhece tão bem a fadista Luísa Rocha, como é que se apresenta?
LR – “Há sempre uma carga emocional acrescida quando faço concertos para as comunidades portuguesas. Tenho por elas o mais profundo respeito e admiração.
Espero que a comunidade portuguesa de Toronto se junte a nós para um concerto que será certamente muito emotivo, mas também cheio de alegrias e de grande partilha. Eu, o Guilherme Banza, Rogério Ferreira, Frederico Gato e o José Carlos Malato estamos a preparar um concerto cheios de surpresas. Não faltem!”
RA – Uma mensagem final que queira deixar antes do espetáculo em terras canadianas, no início do outono.
LR – “Gostaria de salientar a importância das Comunidades Portuguesas para a projeção de Portugal no mundo. Agradecer o convite ao Clube Português de Mississauga, ao seu presidente António de Sousa e sua esposa Luísa de Sousa, não esquecendo o nosso querido amigo Eduardo de Barros por todo o empenho, atenção e carinho dedicado à divulgação do nosso fado.
O Clube Português de Mississauga tem tido um papel indispensável na divulgação da nossa identidade e cultura. Até breve.”
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