António Leão Rocha
Entrevistas

António Leão Rocha

antonio leao rocha - revista amar

 

António Leão Rocha, nasceu em 4 de março de 1959, em Lisboa e é casado com Maria Luísa Leão Rocha. Com raízes no Norte de Portugal, passou parte dos verões da adolescência em Caminha. Frequentou o 1º ano do curso de Direito na Universidade Católica Portuguesa, mas o gosto pela História falou mais alto e licenciou-se em História pela Universidade Clássica de Lisboa com a intenção de ser professor universitário-investigador.

A seguir ao serviço militar, António Leão Rocha concorre ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e inicia a sua carreira diplomática em dezembro de 1987.

Depois de passar pelas Embaixadas de Portugal na Argentina, Africa do Sul, França, Guiné-Bissau e Chile, António Leão Rocha assumiu a Embaixada de Portugal no Canadá no dia 8 de abril de 2022.

A carreira do Embaixador António Leão Rocha tem como base um grande sentido de serviço público. A sua carreira diplomática tem sido reconhecida ao longo dos anos, tendo sido agraciado com: Grã-Cruz da Ordem do Mérito da República Portuguesa; Oficial da Ordem do Mérito, República Federal da Alemanha; Oficial da Ordem do Cruzeiro do Sul, do Brasil; Cavaleiro da Ordem da Legião de Honra, da França; Cavaleiro da Ordem da Rosa Branca, da Finlândia, Cavaleiro da Ordem de Orange Nassau, da Holanda; Cavaleiro da Ordem da Estrela Polar, da Suécia; Cavaleiro da Ordem de Ouíssam Alauíta, de Marrocos; Cavaleiro da Ordem do Mérito, Equador e Grã-Cruz da Ordem do Mérito chilena.

Gostava de pedir ao Senhor Embaixador para nos contar um pouquinho de si. Sei que é de Lisboa… que nasceu em Lisboa. A sua vida foi vivida toda lá ou também viveu por outras regiões de Portugal.
Sim, nasci em Lisboa, de facto. Apesar de as origens da minha família serem do Norte, mais concretamente de Caminha. Os meus avós paternos são de Caminha e os meus avós maternos são de Seixas, uma vila ao lado de Caminha, portanto, as minhas raízes são daí e uma parte da minha vida foi também passada aí, em agosto, durante as férias, com toda a família. Além do mais, umas vezes por recreio e outras por razões profissionais, percorri um pouco, quase todo o país. Verdadeiramente só não conheço, entre cidades capitais de distrito, Bragança e, a Região Autónoma da Madeira. De resto, conheço tudo.

E que recordações é que lhe ficaram da sua infância? Ainda se recorda das diferenças que havia entre Caminha e Lisboa?
Talvez duas ou três coisas. Hoje, se calhar, essas diferenças já não são tão percetíveis, digamos assim, à primeira vista, pelo menos. Mas a forma de viver era muito diferente na altura, não é? Sobretudo até aos meus 15 anos… ainda antes do 25 de Abril. Havia alguma diferença do tipo de vida e também das amizades. Por exemplo, como eram férias, no mês de agosto, havia grupos do Porto, etc. Não havia tantas de Lisboa. Mas havia um pequeno grupo de Lisboa que se misturava com o grupo do Porto e com as pessoas de Caminha. Era, digamos, sem fazer juízos de valor, um ambiente talvez um pouco mais são do que a vida em Lisboa. Enfim, em Caminha a vida era muito mais feita com todos do que por afinidades particulares.

Podemos considerar o Senhor Embaixador um imigrante dado o seu percurso diplomático. Que saudades é que tem de viver em Portugal.
Pois, é verdade. Realmente, apesar de os diplomatas viverem uma condição de imigrante um pouquinho especial porque nunca estão no mesmo sítio, por muito tempo, não?
Mas, a verdade é que agora que me diz isso, fiquei aqui a pensar e, de facto, metade da minha vida já foi passada no estrangeiro ou quase metade, porque eu saí a primeira vez para o estrangeiro com 27 ou 28 anos, já não me lembro muito bem e, portanto, isso significa que metade da minha vida, 30 anos da minha vida, são já passados no estrangeiro. De certa forma, atualmente, tanto eu como a minha mulher, quando vamos a Portugal, às vezes sentimo-nos realmente como emigrantes (risos), que vão para Portugal e veem Portugal um bocadinho como um ‘mundo estranho’ que “abandonámos” há muito tempo. E ao reencontrarmos os amigos e a família, com quem convivemos mais de perto, sempre que vamos a Portugal, que continuaram a levar as suas vidas conjuntas há como uma sensação de termos ficado à parte, porque isto do telefone, mesmo hoje com o WhatsApp e com as videochamadas, não é a mesma coisa, não é?
Não é a mesma coisa que estar e acompanhar o dia a dia. Por exemplo, uma das coisas que mais me impressiona sempre que vou a Portugal e que noto – talvez não notasse se continuasse a viver lá – é o desenvolvimento do país, o desenvolvimento integrado do país. Outra, sobretudo quando eu ainda lá vivia e saí pela primeira vez… Portugal já era um país turismo, mas era um turismo ainda muito situado nos períodos de férias, sobretudo de verão e agora não. Agora é um país de turismo todo o ano. Nem sequer a pandemia – dos anos mais difíceis – alterou essa tendência. E, de facto isso é o que mais imediatamente nos apercebemos em Portugal. Depois, também, Portugal tornou-se um país europeu. Quando eu deixei Portugal estávamos a fazer essa transição. Já éramos parte da então Comunidade Económica Europeia, mas estávamos a fazer essa transição; agora estar em Portugal ou viajar para outro país europeu, em muitas coisas, é reconhecível. Evidentemente que temos a nossa diversidade, as nossas idiossincrasias, mas mesmo assim há algo comum que faz de nós um país tão europeu, como qualquer outro.

 

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E como é que “mata” as saudades de Portugal?
De muitas formas. Olhe, aqui, por exemplo, no Canadá é muito mais fácil! Talvez não tanto em Otava, mas sempre que viajo a Toronto e Montreal – até agora ainda só fui a Toronto e Montreal, além do Otava. De facto, sempre que estamos com a comunidade e sobretudo nos bairros mais portugueses de ambas as cidades, é como se tivéssemos em Portugal e, portanto, é a primeira forma de matar a saudade, no estrangeiro. Essas saudades atenuam-se precisamente ao estar junto da comunidade e ir aos restaurantes portugueses no Canadá. Mesmo em Otava, onde a presença portuguesa não é assim tão imediata e tão forte como noutras cidades, é marcante na mesma, porque os próprios canadianos que não tenham nada a ver com Portugal, mencionam sempre a comunidade portuguesa, mencionam sempre a influência e a presença portuguesa no Canadá. Num país como o Canadá é mais fácil matar saudades por muitas vias, não é?
Pela música também… falei na gastronomia e no contacto pessoal, mas há a música e muitas outras manifestações culturais. Em países onde, às vezes, não há essa presença tão forte, é mais difícil, mas há sempre alguma referência. Eu gosto onde quer que esteja e onde estive até agora, no mínimo, de acompanhar os noticiários do horário nobre da noite, em Portugal – das televisões portuguesas, seja pela internet, seja como for, seja até porque temos acesso a alguns canais – procuro fazer isso que é também outra forma de matar saudades e, ao mesmo tempo, de estar atualizado, porque nem toda a informação nos chega pelas vias mais oficiais. Também é importante acompanhar os debates, etc. e isso faz-se através da imprensa, porque de outras formas o acesso não é tão óbvio. Eu confesso que não gosto muito de ler jornais online, pela internet e prefiro nesse caso acompanhar via transmissões televisivas.

Se estivesse em Toronto tinha, pelo menos, 3 jornais para ler. (risos)
Exatamente, (risos) exatamente… aqui em Otava, não.

Por que razão decidiu escolher a licenciatura em História como formação académica de base?
Acho que é a primeira vez que revelo publicamente isso. A verdade é que a minha primeira intenção era Economia. Depois, ainda antes de fazer os exames do 7º ano (o então 7º ano dos liceus), decidi mudar para Direito. Talvez um pouco influenciado pelo gosto do meu pai, que queria que um dos filhos fosse médico ou advogado. Ainda experimentei, de facto, o 1º ano do curso de Direito na Universidade Católica Portuguesa, mas acabei por me decidir pela História, que foi sempre um interesse muito forte e mudei antes do final do 1º ano do curso Propedêutico em Direito. Mudei para a Universidade de Lisboa, curso de História (1979-1984), porque era sem dúvida aquele curso que realmente gostava e que sentia uma vocação profissional: a minha intenção inicial era ser investigador, professor universitário-investigador.

E chegou a exercer a profissão?
Cheguei, mas depois o serviço militar que, na altura ainda teve a duração de dois anos, meteu-se pelo meio. Eu perdi a possibilidade de vir a ser assistente de um professor catedrático de então e depois um pouco levado por amigos de infância, um deles estava no Ministério dos Negócios Estrangeiros, acabei por concorrer ao ministério e, de facto, descobri ali outra vocação que inicialmente não estava nas minhas intenções.

E assim, se fez “história”.
Foi exatamente assim que se fez “história”. (risos) Exatamente.

E de que modo a sua formação em História lhe deu bases e o ajudou a desenvolver uma carreira diplomática?
Bastante, bastante. Aliás, devo dizer que antes do 25 de Abril, os cursos que davam acesso à carreira diplomática eram só três: Economia, sobretudo na vertente de Economia Internacional; direito, sobretudo na vertente do Direito Internacional e História, Histórico-Filosóficas.
Estas eram, de facto, as três licenciaturas que permitiam concorrer ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Depois do 25 de Abril, e muito bem, qualquer licenciatura era aceite para concorrer ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.
No entanto, é evidente, sabemos que há, à partida, uma vantagem de preparação em face das matérias para o acesso á carreira diplomática em que o curso de História, ou de Direito ou de Economia, dão alguma vantagem por estarem ligadas diretamente ao exercício das funções diplomáticas, não é? Seja em Portugal, seja no estrangeiro. A História diria até, é em termos gerais a (licenciatura) mais abrangente enquanto formação para os concursos que abrem anualmente de ingresso na carreira diplomática.

 

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Pode dizer-se, então, que saber a História de Portugal ajuda na transição para certos países como, por exemplo, países africanos, onde Portugal teve presença. Se calhar até é fundamental conhecermos a nossa História, para nos podermos depois adaptar aos países para onde emigramos, porque Portugal teve presença ou tem presença em quase todo o mundo, não é?
Evidente, evidente. Temos presença, de facto, em todo o mundo. Quer dizer, mesmo que não tenhamos em todos os países do mundo, temos em todos os continentes. De facto, sim, sem conhecer a História de Portugal é difícil ser diplomata ou qualquer outra coisa, não é? Quer dizer, diria que se pode ser médico sem conhecer a História de Portugal, mas mesmo assim é melhor conhecer a História de Portugal sendo médico, porque há aspetos estruturais, históricos, portanto, que podem ajudar a explicar muitas doenças que se observam nuns países e não noutros. Por exemplo, em Pretória descobri que há uma tipologia nas gengivas que é muito típica de grande parte da população portuguesa e que na África do Sul não se regista.
É importante conhecer a História de Portugal, até para ser médico, mas muito mais neste tipo de atividade (diplomática), não é?
Como disse e muito bem, tão importante como o nosso país é, ainda, conhecer a História do país em que somos colocados. Conhecer a História Mundial ou como hoje se diz, a História Internacional, tanto como a História do próprio país. Um dos aspetos que me parece determinante e sempre o fiz, mesmo que não tivesse esse conhecimento prévio, suficiente, foi a preparação de um novo posto, ou seja, estudar a História desse país.
Significa igualmente estudar (bem) os dossiês do relacionamento bilateral e as prioridades que tem o país para onde vamos destinados. Mas é muito importante conhecermos a História desse país. Algumas vezes na minha carreira no exterior, já tinha um conhecimento suficiente da história do país onde fui colocado. Isso aconteceu mais evidentemente na Argentina, em França, na Bélgica e na Guiné-Bissau. A África esteve bem presente na minha formação e, em especial, no curso conducente ao Mestrado – até me propus, mas nunca cheguei a apresentar a tese precisamente sobre os países africanos de língua oficial portuguesa. Quando fui para a Guiné-Bissau precisei, talvez, de me atualizar num ou noutro aspeto, mas verdadeiramente já conhecia bem a sua História e os meandros da nossa ligação comum, para não necessitar de um estudo mais aprofundado; noutros casos, sim.

Ter esse conhecimento é uma clara vantagem para quem vai exercer funções diplomáticas no exterior.
Exatamente. É uma vantagem para que ao chegarmos estarmos imediatamente apetrechados sobre o que está a acontecer à nossa volta; também é uma vantagem no contacto pessoal, sobretudo com as autoridades dos países onde estamos destinados, já que causa sempre uma boa primeira impressão quando o nosso interlocutor percebe que sabemos do que se está a falar (quando o interlocutor nos diz algo que não constitui uma surpresa). Tudo isso constitui uma vantagem evidente.

Então, quando saiu da tropa, concorreu pela primeira vez ao ministério dos Negócios Estrangeiros, por influência de um amigo. Mas o que é que o fez continuar? Ou seja, o que o seduziu a continuar?
Sim, sim. Seduziram-me muitas coisas. Não foi só uma.
Diria que a primeira de todas, algo que não sei se atualmente se está a perder um pouquinho – espero que não -, foi o sentido de serviço público. Nos termos em que a minha geração o entendia… espero que não seja irreversível, pois acredito que as novas gerações terão outra forma de ver o serviço público. Mas de facto, para a minha geração, em primeiro lugar, o sentido de serviço público. Uma mesma razão que me levaria a ser investigador e professor universitário, também num espírito de missão (serviço público). Divulgar a História Internacional, no fundo, era quase o mesmo tipo de missão. Além do serviço público, a curiosidade, justamente, de conhecer outros países, outras formas de ver o mundo e, também, os lugares que não nos sendo tão distantes, até histórica e culturalmente, como a Argentina, o Chile, a França ou a Bélgica, não deixavam de ser diferentes de nós. É a razão porque sempre tive preferência por alguns continentes, relativamente a outros.

Mas voltando só um pouquinho atrás… o Senhor Embaixador estudou os países por onde passou, Guiné-Bissau, França, Chile, etc. Do tempo em que desempenhou as suas funções em todos os países, o que traz na “bagagem” de cada um deles?
Trouxe sempre grandes experiências, as quais são absolutamente enriquecedoras e, de facto, o mais interessante para mim é, precisamente – para a minha vida e para a minha experiência profissional – o facto de cada experiência dessas ser cumulativa e transformadora, gerando um António Rocha diferente. Quer dizer, a convivência com outros contextos, com outras atualidades, com outros passados, mesmo muito próximos de nós, culturalmente e historicamente, são distintos e dão-nos outra perspetiva da vida, relativizam o mundo, e nós próprios, e as nossas circunstâncias.
E isso, de facto, é o aspeto mais enriquecedor da carreira diplomática, em termos pessoais. Em termos profissionais representar o meu país, os meus compatriotas e promover-nos no exterior. Em termos pessoais é o enriquecimento pessoal que sentimos, é em função do que vamos mudando, o que deixamos em cada país, onde ficam amigos e ficam acontecimentos que nos marcaram.

O que mais lhe agrada no trabalho diplomático? O facto de em cada ato estar a representar o nosso país, a componente política de relação com o país que o acolhe ou a componente de promoção de Portugal, estimulando as relações comerciais ou empresariais?
Das três, eu sobrevalorizaria a última, porém, um pouco das três… mas a última, sobretudo. Ou seja, podemos promover o nosso país onde estamos destinados, mas no sentido em que os benefícios sejam recíprocos, porque as relações diplomáticas são, nesse nível, essencialmente bilaterais. O nosso sucesso é, portanto, medido por aquilo que conseguimos avançar do nosso país, no país de destino, e ao mesmo tempo com benefício para o país de destino. Ou seja, a única forma de a relação ser saudável, desenvolver-se e aprofundar-se é que essa relação seja sempre mutuamente benéfica e, assim, é nesse sentido que devemos atuar. É nesse sentido que eu, pelo menos, atuo e que me sinto compensado e bem-sucedido nos resultados alcançados.

 

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Chegou ao Canadá no ano passado. Passado este tempo, pode dizer-nos qual é a sua visão da realidade da comunidade portuguesa aqui residente?
Ainda não a visitei toda, como disse há pouco faltam-me muitos lugares, mas em particular falta-me conhecer, por exemplo, Vancouver, que será a terceira grande cidade em termos de presença portuguesa neste país.
Não será preciso visitar, porém, para ter logo percebido mal aqui cheguei e comecei a falar com as autoridades canadianas que a comunidade (portuguesa) é pujante, vibrante, com uma presença muito forte, muito marcante, porque toda a gente me fala dela e desses aspetos.
Aliás, é engraçado porque até agora foram muito poucos os canadianos sem qualquer ligação familiar ou outra com Portugal, que não me dissessem que já lá estiveram fosse de férias, fosse por outra razão. Em Otava é difícil encontrar um que diga que não conhece Portugal.
A nossa comunidade é diversa, no que até agora foi me foi dado perceber. Uma comunidade diversa que, de facto, também desse modo é representativa do nosso país, ele próprio muito diverso regionalmente, e em todos os níveis de vida pessoal ou profissional. Há portugueses no setor do comércio, na indústria, nos serviços, na cultura, nas artes e na política também.
Com a recente eleição de Charles Sousa, neste momento, somamos três deputados federais com origem portuguesa, em conjunto com a deputada Alexandra Mendes e o deputado Peter Fonseca, ainda nascidos em Portugal. Estamos bem significativamente representados pela comunidade, na diversidade que carateriza o Canadá coma diversidade do nosso próprio país, não é?
Enfim, é, ainda, uma comunidade com muita atividade associativa, o que é importante. É importante para a comunidade e é importante para nós, Embaixada, porque constitui um veículo privilegiado de reforçar o nosso trabalho de promoção de Portugal, no Canadá. É verdade que os últimos dois anos foram mais complicados para alguns setores do nosso associativismo pelo efeito da pandemia, ao paralisar as suas atividades, sofrendo bastante com isso. Nem todas da mesma maneira. Esperemos que as associações, ou clubes, que sobreviveram e foram a maioria, tenham agora melhores tempos pela frente.
Aproveito, neste sentido, para recordar que a Embaixada e os Consulados-Gerais, os três que temos, estão totalmente disponíveis para ajudar as associações a candidatarem-se a apoios que a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas disponibiliza. Para aquelas associações que sofreram com a prolongada paralisação de atividades, essa ajuda, neste momento, pode fazer a diferença. Conclui9ndo, digamos que não fiquei surpreendido porque já tinha conhecimento do que é a comunidade portuguesa no Canadá. Em funções anteriores, até no Ministério, tinha consciência do seu peso, das suas realizações da sua intervenção que a tornam, sem dúvida, uma comunidade muito pujante, muito diversificada e com futuro. Claramente me parece que a comunidade portuguesa é também um porto seguro do Canadá.

Teve oportunidade de participar na Parada de Portugal que desfila pela cidade de Toronto. Que impacto teve em si o facto de estar presente nas comemorações do 10 de Junho, numa das maiores manifestações de orgulho nacional?
Devo dizer-lhe que fiquei impressionado, porque também como disse, já tinha ouvido falar dessas comemorações, mas participar nelas e presenciá-las é totalmente diferente. É uma coisa de facto impressionante. São talvez as maiores comemorações fora de Portugal do 10 de Junho, em termos de mobilização das pessoas e das atividades em que eu participei na minha vida. Em Bissau, em particular, também há uma importante comunidade portuguesa, também a Embaixada em conjunto com parte da comunidade, todos os anos organizávamos manifestações com muito significado e muito impacto, diga-se de passagem, mas uma mobilização como esta, de facto, pelo menos fora de Portugal, com tal projeção e mobilização, creio ter sido a primeira vez que testemunho como Embaixador.

Devia ter visto antes da pandemia, ainda era maior. Infelizmente, muitas associações ainda não estavam no, digamos no “ativo” e, portanto, não puderam participar.
Pois, imagino… inclusivamente comentaram isso mesmo com Sr. Presidente da Assembleia da República, quem acompanhei nessas comemorações – como estava junto dele também ouvi que, desta vez, algumas associações e parceiros ainda não estavam suficientemente preparados para se mobilizarem e participar e, assim, a Parada não terá sido tão expressiva como noutros anos. Mas, já fico a fazer uma boa ideia do que será quando todos estiverem a funcionar e mobilizados.

De que forma é que a comunidade portuguesa residente na Grande Área de Toronto se diferencia de todas as outras que conheceu por onde passou como diplomata, no que diz respeito à celebração do Dia de Portugal?
Em termos de colaboração, diria que se distingue na medida em que a comunidade é diferente, não é? A começar pelas origens regionais em Portugal. Em Toronto, é bastante diversificada, mais do que noutros países onde estive. Por exemplo, no Chile, a minha Embaixada anterior antes de vir para o Canadá, a comunidade portuguesa – mais ou menos 3.300 pessoas quando parti -, tinha crescido muito nos últimos dois anos, esmagadoramente devido à emigração de jovens luso-venezuelanos se foram instalar no Chile. Era uma comunidade já de segunda e terceira geração, sem grandes raízes em Portugal, sem dominar bem a língua portuguesa, mas toda ela bastante homogénea pela origem e pela faixa etária e formação. As manifestações eram mais ou menos homogéneas.
Em Toronto, não. Sabemos que a comunidade em Toronto e no Canadá em geral, tem uma grande origem nos Açores, mas não só dessa região de Portugal. É muito diversificada e essa colaboração também passa um pouco pela diversidade que existe em termos de origem regional em Portugal, o que é muito interessante. A comunidade em Toronto tem a sua colaboração direta, não com a Embaixada, mas com o Consulado – também é parte da missão diplomática de Portugal, no Canadá; no fundo é a mesma coisa, sem ser exatamente a mesma coisa.

 

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Quais têm sido as suas principais preocupações desde que é Embaixador de Portugal no Canadá?
Em primeiro lugar desenvolver a relação entre os dois países. Ela já é muito forte e muito importante. O Canadá e Portugal são países com grandes afinidades e objetivos internacionais particularmente multilaterais, o que é fácil. Depois, a presença de uma comunidade tão importante, que é um contributo vigoroso, nesse sentido.
O meu primeiro objetivo é aprofundar e desenvolver o que já existe e encontrar áreas novas em que essa colaboração possa acrescentar-se ao quadro de relacionamento. Por exemplo na área económica onde Portugal e o Canadá têm interesses que podem ser bastante complementares e significativos. É o caso das energias renováveis, em geral. Portugal é atualmente, até mesmo em termos europeus, um dos pioneiros e um dos países onde o consumo doméstico alcançou maior expressão nesse setor.
Depois, por exemplo, a aposta do Canadá no hidrogénio verde área que Portugal também, está a desenvolver. Neste domínio, o Porto de Sines como a ligação mais óbvia e mais direta da exportação de hidrogénio verde do Canadá para a Europa é evidente. São duas áreas, claramente, em que é importante explorarmos mais as nossas complementaridades e os benefícios mútuos, tratando-se de dois países com claro pendor e objetivos convergentes, na transição energética.
Quando me preparei para vir para o Canadá, desconhecia algo que me foi revelado este verão passado, também muito graças à excelente colaboração da Dra. Inês Almeida Garrett, conselheira do Turismo de Portugal no Canadá: Lisboa, no período do verão de 2022 foi o quarto destino turístico em voos internacionais, para os canadianos, ultrapassando inclusivamente, Nova Iorque ficando a pouca distância dos outros principais: Londres, Paris e Roma; praticamente, ao mesmo nível de Roma. De facto, nota-se cada vez mais que Portugal está na “moda” enquanto destino turístico para os canadianos, o que é muito interessante e é, também, um filão a explorar melhor, tanto como trazer mais portugueses ao Canadá. São movimentos ainda um pouco sazonais que, acredito, também durante o inverno possam crescer nos dois sentidos, tal como já acontece com outros países, não é? Também importa trazer mais portugueses ao Canadá. Faz todo sentido apoiar e estimular cada vez mais canadianos a viajar para Portugal, que façam turismo em Portugal.
Outro aspeto, também reconhecido para os últimos dois anos – um trabalho que foi feito antes de mim – é a instalação (residência) de muitos canadianos em Portugal ao abrigo daquele programa conhecido na gíria por Visto Gold. Mas neste caso não temos apenas a típica compra imobiliária para efeito de residência, como se registou no início em que a maioria das pessoas aproveitaram por residir parcialmente, no nosso país. Hoje em dia também há muito investimento produtivo com origem no Canadá e que dá lugar à residência.
Finalmente, neste ponto um outro elemento que acho que será útil na relação entre Portugal e o Canadá, já com sucesso pelo menos num dos sentidos, que precisa ter igual resultado do Canadá para Portugal: a mobilidade jovem, programas mistos de estadias anuais para estudo e profissional, ou seja, que permitem ter um emprego durante o período de permanência no respetivo país. Portugal ultrapassou a média destas vindas enquanto que o Canadá ainda está um pouco abaixo dela. Estamos a trabalhar conjuntamente também com a Embaixada do Canadá em Lisboa, para que o movimento seja mais paritário nos dois sentidos para que muitos mais jovens aproveitem. Este tipo de interação é atualmente uma das dinâmicas mais importantes na aproximação entre países (chamada “people to people”): o relacionamento entre povos que proporciona que as pessoas se conheçam melhor e que se acomodem melhor ao outro (país), para o qual têm curiosidade ou quiserem realizar uma experiência de vida. Isto, sobretudo, deve ser feito com jovens, não é? É de facto muito interessante.
Os jovens de hoje, muito mais do que os da minha geração têm grande propensão para ser “pessoas do mundo”, cidadãos internacionais; gostam de viajar, de ter outras experiências e conhecer outros países, trabalhar no exterior. Muitos chamam-lhe a “geração Erasmus”, porque esse famoso programa europeu proporcionou a todos os jovens uma abertura ao mundo. E, por isso, temos, como se sabe, muito emigração jovem que é esse perfil de “emigração Erasmus” que sai de Portugal de uma forma diferente e por motivos diversos das gerações anteriores.

Razões económicas?
Económicas, sim, mas de outra natureza, tanto como outras (razões). Não nos esqueçamos que, para França, nos anos 70, houve também alguma emigração chamada política, de opositores ao regime (salazarista), e de pessoas que não queriam cumprir o serviço militar por razões de consciência por exemplo, e que abandonaram Portugal, por esses distintos motivos. Não seriam só por razões económicas, embora é óbvio que nos anos 70 a maioria da nossa emigração teve motivos económicos – a conhecida fuga à pobreza. Hoje essa emigração Erasmus não tem nada a ver com aquele contexto ou motivação. Tem a ver com opções de vida e o gosto da experiência.

No próximo dia 13 de maio faz 70 anos que o navio Saturnia chegou a Halifax, Canadá, com os primeiros imigrantes legais. É uma data simbólica da maior importância para a comunidade portuguesa aqui residente. Considera que a data também deveria ser assinalada, de alguma forma, pelo governo canadiano atendendo ao impacto que os portugueses têm tido no desenvolvimento do país a vários níveis?
Eu não me quero pronunciar pelo governo canadiano. Devo dizer que desde que começou o ano 2023 que nos contactos que já tive desde que regressei de Lisboa, tenho assinalado aos meus interlocutores canadianos oficiais que se comemoram os 70 anos da chegada do navio Saturnia. Celebração que os seus patrocinadores propõem oficialmente como Dia dos Pioneiros Portugueses no Canadá. Essa ‘dinâmica’ está inscrita nos objetivos da Embaixada para este ano e estamos a valorizar. Uma vez que parte das atividades que tínhamos programadas para 2022, no contexto dos 70 anos do estabelecimento relações diplomáticas bilaterais entre Portugal e o Canadá, foram adiadas para este ano, faz todo o sentido juntar: comemorando-se simultaneamente as atividades ainda remanescentes dos 70 anos das relações diplomáticas, com as programadas para assinalar os 70 anos da chegada dos primeiros emigrantes portugueses (legais) ao Canadá.
Quero notar que as autoridades canadianas, já em 2022, pelos 70 anos, mesmo para aquelas atividades que já se concretizaram, não estiveram oficialmente associadas se não, numa ou noutra através da Embaixada do Canadá em Lisboa. Provavelmente terão a mesma perspetiva relativamente às comemorações dos 70 anos da chegada do navio Saturnia. O que não quer dizer que não o reconheçam, com toda a importância devida. Aliás, todos os anos, como sabemos, o mês de junho é oficialmente assinalado neste país como do Património (Herança) Portuguesa no Canadá e, isso diz muito sobre a importância que as autoridades e o governo federal, neste caso, atribuem à presença da comunidade portuguesa e ao contributo dos portugueses desde há 70 anos para o desenvolvimento do país, para a grandeza e prosperidade do Canadá e, da sua rica diversidade sendo os portugueses um elemento fundamental e estrutural na sua composição.

 

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E falando em imigrantes legais, é inevitável falar de imigrantes ilegais. O Canadá está numa fase de desenvolvimento. Só para o Ontário, para 2023 são precisos cerca de 200.000 trabalhadores para a construção e é conhecida a extrema necessidade de mais imigrantes para colmatar a falta da população nesta área, neste caso, mão-de-obra, na construção. Então, atendendo ao histórico de excelente reputação dos portugueses no mundo do trabalho canadiano, o que poderá ser feito pelos governos dos dois países para facilitar a entrada de mais mão-de-obra portuguesa no Canadá e ainda a legalização dos muitos que já cá vivem e trabalham há anos, mas permanecem ilegais?
É uma boa pergunta. E importante. Para o Canadá antes de mais. Eu separava dois temas: o primeiro sobre as intenções em termos de novos imigrantes, que o governo do Canadá necessita e que já anunciou e, por outro lado, a regularização daqueles que já se encontram neste país.
Começando pela primeira, saberá com certeza melhor até do que eu, que muito recentemente o ministro da Imigração do Canadá, Sean Fraser anunciou que até 2025 o governo do Canadá vai promover a chegada de novos imigrantes ao país, com uma quota de 500.000/ano, o que é, de facto, um número absolutamente impressionante. E o Canadá tem necessidade e falta desses “contingentes”, para conseguir mão-de-obra, de que tanto carece, sobretudo em setores onde ela é mais urgente, como a construção civil, não é?

Mas, essa quota é dividida…
Sim, é dividida pelas províncias e é considerada segundo as necessidades que cada província tem.

E não só, também em número de imigrantes por país.
Exatamente.
E Portugal, normalmente, tem um número inferior comparado a outros países.
Essa quota, ou cifra tem que ver, segundo me foi explicado pelo ministro Sean Fraser quando com ele me encontrei para conhecer o alcance desse anúncio que a quota é dependente do tipo de imigrantes “desejados” e em função da capacidade do país de origem corresponder ao perfil contido. Como sabe, a imigração canadiana é muito planeada, passa um pouco também pelo perfil traçado como necessidades em cada província, não é? O Québec, por exemplo, tem aspetos muito particulares. A decisão quantificada é determinada um pouco por essas necessidades. Não conheço quanto a Portugal, a quota que vai ser anunciada. Sei que o ministro Sean Fraser mostrou interesse em conhecer se Portugal ainda continua a ser um país de emigrantes, ou já só um país de imigrantes, pois hoje somos bastante mais um país que recebe imigrantes do que saem. As áreas onde, eventualmente, Portugal poderia ser de maior interesse para o Canadá, não serão interessantes para nós, em que também temos necessidades e falta de profissionais, nesses setores.
Depois há a construção civil. É verdade que é na área da construção civil – tive mais do que uma oportunidade de falar com os responsáveis da LiUNA sobre este setor – temos muitos trabalhadores indocumentados. E a construção civil, especialmente na Grande Toronto tem, extrema necessidade de mão de obra. É uma negociação que fará o Canadá. Primeiro que tudo, em função das necessidades que tem nessa área e, depois, a partir da sua programação será analisado naturalmente, com o nosso país. Não lhe posso adiantar mais nada porque não me foi revelado. Relativamente aos indocumentados, é de facto uma preocupação, mas devo dizer que é sobretudo uma preocupação canadiana, porque é complicado estimular as quotas de imigração anuais quando simultaneamente há, mais ou menos, 200.000 imigrantes ilegais no país. Fará sentido procurar legalizá-los. Sei que o governo canadiano discute aumentar o número daqueles que estando nessa situação poderão vir a solicitar residência permanente, mas não posso adiantar mais porque não há certezas.

Pelo menos estão a tentar resolver o problema e isso é um passo importante.
Pois é, sei que estão a discutir e isso não é totalmente segredo, porque a imprensa há uns dois meses deu sinal dessa possível intenção, noticiando o debate dentro do governo a forma em que poderia perspetivar a regularização, pelo menos de parte dos trabalhadores indocumentados que já e encontram no Canadá.

E, para finalizar, gostaria de o convidar a deixar uma mensagem aos nossos leitores, à comunidade portuguesa no Canadá e no mundo.
A primeira mensagem, uma vez que a revista se chama Amar, é que, de facto, o ano de 2023 seja um ano de felicidade, com amor. Os portugueses têm um sentimento muito próprio de amor, muito fraterno e muito arreigado. Assim, a primeira mensagem é esta: que a revista seja o veículo de amor e que a comunidade como tantas vezes já provou reflita esse amor, essa fraternidade essa entreajuda, a solidariedade.
Uma outra mensagem, também para a comunidade portuguesa, não só para os leitores da revista, é que seja um ano de grandes realizações, que seja um ano muito melhor que o anterior.
No Canadá também se sentem os efeitos da invasão russa da Ucrânia: que os seus efeitos impactantes nos portugueses e nos canadianos possam ser rapidamente superados, que o mundo possa reencontrar rapidamente a estabilidade. Que depois da pandemia as pessoas recuperem as suas vidas normais. Sabemos que não vai ser tão fácil. O fim da pandemia que nos encheu de esperança mergulhou num período ainda mais difícil para as nossas vidas, muito adverso para todos nós, seja no plano comunitário, seja no plano nacional, como no plano individual. É meu desejo é que as pessoas possam realizar-se pessoalmente e sofrer o menos possível.

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