Há vidas que se desenham como romances, com capítulos escritos a pulso, páginas feitas de lágrimas e de riso, e personagens que resistem ao tempo. A história de Maria Filomena Melo de Sousa, hoje Maria Duarte, a alma viva do Duarte’s Supermarket, é dessas que se contam devagar, como quem saboreia uma memória antiga ou o cheiro do pão acabado de cozer.
Chegou ao Canadá com 17 anos, deixando para trás a brisa atlântica da Terceira e o aconchego de uma infância vivida entre gente conhecida e o Jardim de Angra. A viagem foi inesquecível, como todas as partidas que mudam uma vida. Mas a chegada trouxe um silêncio pesado, um choro demorado que se estendeu por um ano inteiro. O coração ficou preso à terra que deixara — mais do que à ausência da mãe que partira antes dela — e cada passo no novo país foi uma travessia. Mas com o tempo, com trabalho, com resiliência, aprendeu a amar o Canadá. Como se ama um destino que, apesar de tudo, acolhe, transforma e ensina.
Costureira, sonhadora, mulher de fé, empresária sem medo de arriscar, Maria foi tecendo uma vida ao lado do marido, também ele emigrante, também ele vindo em 1972. Fundaram uma casa e um negócio com raízes profundas na comunidade, onde uma sanduíche pode ser um gesto de amor e um supermercado, um lugar de encontro.
Maria Duarte é mais do que um nome. É uma presença firme e generosa. Daquelas que conhecem os rostos dos clientes e que acreditam que todos — ricos ou pobres — merecem o mesmo sorriso. Porque, como ela diz, a vida não se mede pelo que se tem, mas pelo coração com que se dá.
Chegou ao Canadá com 17 anos e com o peso da saudade, mas não lhe faltou a coragem de recomeçar. A adaptação não foi fácil, mas entre o apoio da família, o trabalho duro e a vontade de aprender, foi construindo uma nova vida, sem nunca esquecer as raízes.
Cheguei ao Canadá em setembro de 1972. Fui viver para Montreal durante quase nove anos. Vim porque a minha mãe vivia cá, com os meus irmãos mais novos. A minha mãe ficou viúva aos 38, veio para a casa de um primo dela para Montreal. O primo dela arranjou-lhe o segundo marido. Ela casou, teve dois filhos e depois chamou-nos para cá, a mim e à minha irmã. Eu fiquei com a minha tia, a irmã do meu pai? A minha tia era a segunda mãe para mim. Nós fomos criadas juntas, vivíamos como daqui a dez minutos a pé. Estávamos todos os fins de semana juntos. Era como uma mãe para mim. Portanto, não senti aquele impacto como muitas sentiram. Claro que a gente sente a falta da mãe. Depois tinha o meu irmão mais velho que funcionou como meu pai. Estava sempre a apoiar-me, a mim e à minha irmã.
Quando o meu pai faleceu, tinha 13 anos. Naquela altura, com 13 anos, não era uma garota como as de hoje em dia. Quando a minha mãe veio para aqui e, mais tarde, soube que ela casou, estive seis meses sem falar com a minha mãe, porque foi uma tristeza medonha saber que ela tinha posto outro senhor no lugar do meu pai, mas depois de o conhecer, gostei dele.
Eu já sabia falar francês, mesmo assim, você não vai acreditar, mas estive um ano a chorar pela minha terra. Talvez tenha sentido mais a falta da minha terra, do que senti a falta da minha mãe quando ela veio para aqui. Chorei até ao ponto da minha mãe dizer assim: “Basta! Voltas para trás, não quero mais ouvir o choro”. Parece que foi como se tivesse levado uma bofetada na cara. E hoje eu amo o Canadá.
Sabe, a nossa cidade era pequenina e a gente quase que se conhece uns aos outros. Íamos para o Jardim de Angra, íamos para as touradas. Tínhamos uma liberdade fantástica, uma coisa que lá em Montreal a gente não a tinha.
Quando cheguei ao Canadá comecei logo a trabalhar, talvez nos fins de outubro, numa fábrica de costura a fazer roupas de bebé. Eu adorava. Gostei imenso de lá trabalhar. Trabalhei lá bastante tempo. Depois a minha mãe comprou outra casa, mesmo em frente a uma fábrica muito grande de roupas de senhora e eles pediram-me para eu ir para lá trabalhar e eu fui. Era só mesmo atravessar a rua. Trabalhei lá até vir para aqui. Mesmo já sabendo algum francês, fui dois anos para a escola, à noite, aprender o francês mesmo do Quebeque, porque o meu sonho era ser enfermeira. Depois quando viemos para Hamilton tive que aprender inglês, o que foi difícil porque só sabia contar até dez e só sabia dizer obrigado e bom dia, mais nada. Mas aprendi com as notícias na televisão, muitos livros e jornais que lia, devo muito aos jornais. Foi assim que aprendi. Hoje o meu inglês ainda não é 100%, mas se eu digo alguma coisa errada, o meu filho está ali e ajuda-me.
Um encontro marcante e o início de uma história de amor que desafiou preconceitos. Tudo começou com uma viagem de avião inesquecível, rumo a Montreal.
A viagem dos Açores para Montreal foi maravilhosa, mesmo maravilhosa. Viemos num avião da TAP. Naquele tempo fumava-se nos aviões. Éramos nove garotos, tudo assim da mesma idade e o hospedeiro deu um cigarro a cada um de nós. Foi a primeira vez que eu fumei um cigarro na minha vida. A segunda vez foi aos 23. Nunca mais fumei. Até hoje, nunca mais fumei. Mas foi bonito porque foi tudo mais uma brincadeira, principalmente por estarmos dentro de um avião. De tal modo que eu nem me lembrava que estava dentro do avião. Foi maravilhoso.
À chegada conheci o meu padrasto. Fiquei a olhar para ele, e ele a olhar para mim. Foi sempre simpático para mim e para a minha irmã. Sempre cinco estrelas. E se hoje estou casada com o meu marido, devo dizer que a minha mãe não queria, de maneira nenhuma, que nós nos casássemos com continentais e o meu padrasto é que nos ajudou. E a nossa história foi muito interessante. Quando eu conheci o meu marido, quis que ele viesse cear connosco no Natal, a minha mãe fazia sempre aquele jantar à moda açoriana para os primos e tudo. E a minha mãe disse não. O meu padrasto disse “esta casa aqui é minha e da tua mãe. Traz o rapaz”. E o mais interessante foi que, quando ele entrou da porta para dentro, a minha mãe ficou em amores com o meu marido. Adorou-o. Adorou o meu marido sempre, até a hora da morte. A minha mãe teve Alzheimer e ela já não me conhecia, mas conheceu-o sempre a ele. Ele foi um filho para ela, fazia tudo quanto ela queria. Mas é curiosa essa história de ela não querer que nós casássemos com continentais. A irmã da minha mãe tinha casado com um continental de Castelo Branco e ele foi muito mau para ela. Ela morreu de pancada dele e a minha mãe dizia que não queria que filha nenhuma sofresse o que a irmã dela tinha sofrido, mas quando ela viu o meu marido, viu que ele era uma pessoa diferente.
De um casamento rápido a um negócio de sucesso em família, a vida desta empreendedora foi moldada por decisões corajosas, sacrifícios e uma ligação especial a Hamilton.
O meu marido também veio para o Canadá em 1972, em outubro. Vivíamos perto um do outro, mas nós não conhecíamos. Ao fim de cinco anos, nós conhecemo-nos, em 1977, e começámos a namorar. Levou quatro ou cinco meses e casámos em 1978. Foi rápido. A nossa lua de mel foi em Hamilton. Eu tinha duas primas que viviam aqui em Hamilton e, naquela altura, não havia dinheiro para ir para o México, como quase toda a gente faz hoje em dia. Uma dessas minhas primas disse “vem cá a Hamilton”. Então viemos e tivemos a nossa lua de mel aqui. Tanto eu como o meu marido adorámos a cidade. Era muito calma. Mais tarde, no fim de 1979, viemos para cá. Fui trabalhar outra vez para uma fábrica de costura, agora de roupas de homem. E o meu marido foi trabalhar para uma fábrica. Trabalhámos quase 12 anos nessas fábricas. Até que este negócio estava à venda e o meu marido disse “eu vou comprar”. Eu não queria mais negócio, porque já tínhamos tido um em Montreal, mas o meu marido insistiu e disse “vamos comprar, vamos experimentar”. Então, em 1991 comprámos aquela parte da loja ali. Porque isto aqui não era junto. Comprámos e ficámos sempre ali. Em 1995, comprámos esta outra parte da loja, para termos arrumação. Mas em 1999 resolvemos abrir isto, tivemos que pedir permissão à cidade e ligámos as duas lojas. É que nós já fazíamos as nossas sanduiches, que já eram famosas pelo pão italiano e carnes frias, e resolvemos transformar esta parte para vendermos aquilo que é, digamos, uma marca desta casa. Aqui a clientela era muito italiana e por isso as nossas sanduiches começaram a chamar o povo. Além disso, eram baratas, a 2 dólares cada. Ninguém vendia as sanduíches a 2 dólares. Naquele tempo comia-se muito sanduíches. Começou a vir o povo e nós pensámos “e se servíssemos também comida quente?”. Começámos com a nossa cozinheira Joyce a fazer umas sopas e mais algumas coisas. E começou assim, agora temos um negócio dividido, de um lado temos o supermercado e aqui um pronto a comer. Temos dois filhos, um trabalha para a cidade e este trabalha connosco. E vai ficar com o negócio, já está destinado. Ele tinha estudado para ser polícia, mas tivemos um amigo nosso que era superintendente e que nos disse “Não deixes o teu filho ir para a polícia”. Ele não foi para a polícia, foi trabalhar para outro sítio, mas nós precisávamos de ajuda e ele veio trabalhar connosco.
Quando abrimos este negócio já tínhamos os nossos filhos. Esta vida prende muito e, por isso, a minha vida de mulher, mãe, empresária e tudo mais foi um bocadinho difícil, mas como nós fomos viver para cima da loja isso ajudou-me muito, ajudou-me mesmo muito. Fui-me organizando aos bocadinhos, depois arranjei uma senhora para me limpar a casa porque eu não podia, porque eu abria sete dias por semana. Mas mesmo assim foi um bocadinho difícil porque, às vezes, eram 23h00, e a gente ainda nem tinha jantado. E depois ainda tinha outro problema, pus os meus filhos na escola portuguesa. Tinha que os ir levar à escola portuguesa e buscá-los, porque a gente pagava naquela altura, era das seis às nove. Era mais outra coisa que tinha de fazer. Mas sinto-me feliz pelos meus filhos terem tirado o nono ano da escola portuguesa. Os dois têm o diploma.
Chegou ao Canadá com 17 anos e com o peso da saudade, mas não lhe faltou a coragem de recomeçar. A adaptação não foi fácil, mas entre o apoio da família, o trabalho duro e a vontade de aprender, foi construindo uma nova vida, sem nunca esquecer as raízes.
Cheguei ao Canadá em setembro de 1972. Fui viver para Montreal durante quase nove anos. Vim porque a minha mãe vivia cá, com os meus irmãos mais novos. A minha mãe ficou viúva aos 38, veio para a casa de um primo dela para Montreal. O primo dela arranjou-lhe o segundo marido. Ela casou, teve dois filhos e depois chamou-nos para cá, a mim e à minha irmã. Eu fiquei com a minha tia, a irmã do meu pai? A minha tia era a segunda mãe para mim. Nós fomos criadas juntas, vivíamos como daqui a dez minutos a pé. Estávamos todos os fins de semana juntos. Era como uma mãe para mim. Portanto, não senti aquele impacto como muitas sentiram. Claro que a gente sente a falta da mãe. Depois tinha o meu irmão mais velho que funcionou como meu pai. Estava sempre a apoiar-me, a mim e à minha irmã.
Quando o meu pai faleceu, tinha 13 anos. Naquela altura, com 13 anos, não era uma garota como as de hoje em dia. Quando a minha mãe veio para aqui e, mais tarde, soube que ela casou, estive seis meses sem falar com a minha mãe, porque foi uma tristeza medonha saber que ela tinha posto outro senhor no lugar do meu pai, mas depois de o conhecer, gostei dele.
Eu já sabia falar francês, mesmo assim, você não vai acreditar, mas estive um ano a chorar pela minha terra. Talvez tenha sentido mais a falta da minha terra, do que senti a falta da minha mãe quando ela veio para aqui. Chorei até ao ponto da minha mãe dizer assim: “Basta! Voltas para trás, não quero mais ouvir o choro”. Parece que foi como se tivesse levado uma bofetada na cara. E hoje eu amo o Canadá.
Sabe, a nossa cidade era pequenina e a gente quase que se conhece uns aos outros. Íamos para o Jardim de Angra, íamos para as touradas. Tínhamos uma liberdade fantástica, uma coisa que lá em Montreal a gente não a tinha.
Quando cheguei ao Canadá comecei logo a trabalhar, talvez nos fins de outubro, numa fábrica de costura a fazer roupas de bebé. Eu adorava. Gostei imenso de lá trabalhar. Trabalhei lá bastante tempo. Depois a minha mãe comprou outra casa, mesmo em frente a uma fábrica muito grande de roupas de senhora e eles pediram-me para eu ir para lá trabalhar e eu fui. Era só mesmo atravessar a rua. Trabalhei lá até vir para aqui. Mesmo já sabendo algum francês, fui dois anos para a escola, à noite, aprender o francês mesmo do Quebeque, porque o meu sonho era ser enfermeira. Depois quando viemos para Hamilton tive que aprender inglês, o que foi difícil porque só sabia contar até dez e só sabia dizer obrigado e bom dia, mais nada. Mas aprendi com as notícias na televisão, muitos livros e jornais que lia, devo muito aos jornais. Foi assim que aprendi. Hoje o meu inglês ainda não é 100%, mas se eu digo alguma coisa errada, o meu filho está ali e ajuda-me.
Um encontro marcante e o início de uma história de amor que desafiou preconceitos. Tudo começou com uma viagem de avião inesquecível, rumo a Montreal.
A viagem dos Açores para Montreal foi maravilhosa, mesmo maravilhosa. Viemos num avião da TAP. Naquele tempo fumava-se nos aviões. Éramos nove garotos, tudo assim da mesma idade e o hospedeiro deu um cigarro a cada um de nós. Foi a primeira vez que eu fumei um cigarro na minha vida. A segunda vez foi aos 23. Nunca mais fumei. Até hoje, nunca mais fumei. Mas foi bonito porque foi tudo mais uma brincadeira, principalmente por estarmos dentro de um avião. De tal modo que eu nem me lembrava que estava dentro do avião. Foi maravilhoso.
À chegada conheci o meu padrasto. Fiquei a olhar para ele, e ele a olhar para mim. Foi sempre simpático para mim e para a minha irmã. Sempre cinco estrelas. E se hoje estou casada com o meu marido, devo dizer que a minha mãe não queria, de maneira nenhuma, que nós nos casássemos com continentais e o meu padrasto é que nos ajudou. E a nossa história foi muito interessante. Quando eu conheci o meu marido, quis que ele viesse cear connosco no Natal, a minha mãe fazia sempre aquele jantar à moda açoriana para os primos e tudo. E a minha mãe disse não. O meu padrasto disse “esta casa aqui é minha e da tua mãe. Traz o rapaz”. E o mais interessante foi que, quando ele entrou da porta para dentro, a minha mãe ficou em amores com o meu marido. Adorou-o. Adorou o meu marido sempre, até a hora da morte. A minha mãe teve Alzheimer e ela já não me conhecia, mas conheceu-o sempre a ele. Ele foi um filho para ela, fazia tudo quanto ela queria. Mas é curiosa essa história de ela não querer que nós casássemos com continentais. A irmã da minha mãe tinha casado com um continental de Castelo Branco e ele foi muito mau para ela. Ela morreu de pancada dele e a minha mãe dizia que não queria que filha nenhuma sofresse o que a irmã dela tinha sofrido, mas quando ela viu o meu marido, viu que ele era uma pessoa diferente.
De um casamento rápido a um negócio de sucesso em família, a vida desta empreendedora foi moldada por decisões corajosas, sacrifícios e uma ligação especial a Hamilton.
O meu marido também veio para o Canadá em 1972, em outubro. Vivíamos perto um do outro, mas nós não conhecíamos. Ao fim de cinco anos, nós conhecemo-nos, em 1977, e começámos a namorar. Levou quatro ou cinco meses e casámos em 1978. Foi rápido. A nossa lua de mel foi em Hamilton. Eu tinha duas primas que viviam aqui em Hamilton e, naquela altura, não havia dinheiro para ir para o México, como quase toda a gente faz hoje em dia. Uma dessas minhas primas disse “vem cá a Hamilton”. Então viemos e tivemos a nossa lua de mel aqui. Tanto eu como o meu marido adorámos a cidade. Era muito calma. Mais tarde, no fim de 1979, viemos para cá. Fui trabalhar outra vez para uma fábrica de costura, agora de roupas de homem. E o meu marido foi trabalhar para uma fábrica. Trabalhámos quase 12 anos nessas fábricas. Até que este negócio estava à venda e o meu marido disse “eu vou comprar”. Eu não queria mais negócio, porque já tínhamos tido um em Montreal, mas o meu marido insistiu e disse “vamos comprar, vamos experimentar”. Então, em 1991 comprámos aquela parte da loja ali. Porque isto aqui não era junto. Comprámos e ficámos sempre ali. Em 1995, comprámos esta outra parte da loja, para termos arrumação. Mas em 1999 resolvemos abrir isto, tivemos que pedir permissão à cidade e ligámos as duas lojas. É que nós já fazíamos as nossas sanduiches, que já eram famosas pelo pão italiano e carnes frias, e resolvemos transformar esta parte para vendermos aquilo que é, digamos, uma marca desta casa. Aqui a clientela era muito italiana e por isso as nossas sanduiches começaram a chamar o povo. Além disso, eram baratas, a 2 dólares cada. Ninguém vendia as sanduíches a 2 dólares. Naquele tempo comia-se muito sanduíches. Começou a vir o povo e nós pensámos “e se servíssemos também comida quente?”. Começámos com a nossa cozinheira Joyce a fazer umas sopas e mais algumas coisas. E começou assim, agora temos um negócio dividido, de um lado temos o supermercado e aqui um pronto a comer. Temos dois filhos, um trabalha para a cidade e este trabalha connosco. E vai ficar com o negócio, já está destinado. Ele tinha estudado para ser polícia, mas tivemos um amigo nosso que era superintendente e que nos disse “Não deixes o teu filho ir para a polícia”. Ele não foi para a polícia, foi trabalhar para outro sítio, mas nós precisávamos de ajuda e ele veio trabalhar connosco.
Quando abrimos este negócio já tínhamos os nossos filhos. Esta vida prende muito e, por isso, a minha vida de mulher, mãe, empresária e tudo mais foi um bocadinho difícil, mas como nós fomos viver para cima da loja isso ajudou-me muito, ajudou-me mesmo muito. Fui-me organizando aos bocadinhos, depois arranjei uma senhora para me limpar a casa porque eu não podia, porque eu abria sete dias por semana. Mas mesmo assim foi um bocadinho difícil porque, às vezes, eram 23h00, e a gente ainda nem tinha jantado. E depois ainda tinha outro problema, pus os meus filhos na escola portuguesa. Tinha que os ir levar à escola portuguesa e buscá-los, porque a gente pagava naquela altura, era das seis às nove. Era mais outra coisa que tinha de fazer. Mas sinto-me feliz pelos meus filhos terem tirado o nono ano da escola portuguesa. Os dois têm o diploma.
Hoje Maria Filomena Duarte divide o coração entre dois países: o Canadá, onde construiu vida e família, e Portugal, onde regressa sempre que pode, com orgulho e emoção.
Sempre disse ao meu marido, “não me importo de ir a Portugal, tens a tua família lá e eu aceito isso”. Adoro Portugal, mas os meus filhos não querem ir viver para lá, por isso, posso ir o tempo que ele quiser, porque eu adoro também estar lá duas vezes no ano, mas o Natal e a Páscoa têm que ser para os meus filhos. O resto do ano posso ir para lá. Adoro estar lá. Quando eu cheguei aqui talvez não pensasse casar como português, mas quando eu casei com o meu marido, português da região de Mira, eu adorei sempre estar em Portugal, porque Portugal é lindo. Temos tanta coisa linda. História linda… eu tenho levado lá alguns amigos canadianos. Já levei três polícias daqui, professores, amigos meus, se soubesse a malta que eu mando para o Algarve você ficava tola. Eu também sou embaixadora de Portugal aqui (risos). Sou portuguesa 100%.
Qual é o sonho que lhe falta cumprir?
Olhe, já cumpri um que era ir à Igreja Santo António, em Lisboa, fui lá há já muitos anos. Mas queria ver onde o meu Santo António está sepultado, em Itália. Outro era ir ao Vaticano e estive lá no ano passado e vi o nosso Papa, o que adorei. Agora falta-me visitar, em França, o santuário de Nossa Senhora de Lourdes. É um dos meus sonhos, ir lá. Sou católica, e com uma fé particular em Santo António. Quando eu preciso de ajuda, ele está lá para me ajudar. Tem-me ajudado muito. É o santo casamenteiro também. Mas Santo António ajuda-me. Diz-me onde é que pus isto ou aquilo. Você sabe que ele me ajuda? Ele ajuda. Está a ver aqueles santos ali? São todos santos dados. A irmã Maria vinha sempre aqui comer e um dia disse-me, “Filomena, tu tens ali os teus santos, mas falta-te ali um santo. Qual é que me falta ali? São José, aqui na tua loja tens que ter o São José”. Não levou dois dias, já tinha ido comprar o São José para pôr ali, por causa dela.
Depois de um ano a chorar pela sua terra e ao fim de tantos anos neste país, Maria Filomena Duarte apaixonou-se pelo Canadá.
Sim, muito. Não quer dizer que não goste de Portugal. Adoro Portugal, mas para ir e vir, porque me sinto feliz aqui. Acho que onde nós suamos é que é a nossa terra. O Canadá tem tudo e mais alguma coisa. Tem o meu marido, tem os meus filhos, tem o meu neto, tem uma vida fantástica. Para que é que vou desprezar isso tudo? Para voltar para trás? Não! Eu sei que Portugal é lindo. Conheço Portugal de ponta a ponta. A gente corre tudo, vamos a todos os lados. Devo também isso ao meu cunhado que vive lá, o marido da irmã do meu marido, e também àquele senhor que contava aquelas histórias portuguesas, que já faleceu. Como era o nome dele? Ele ensinava muita coisa de história portuguesa.
José Hermano Saraiva…
Exatamente. Esse senhor. Eu adorava esse senhor. Eu conheço muito Portugal graças a ele. Nunca mais me vou esquecer dele. E se você for à minha casa pode ver os livros que eu tenho de história portuguesa. Só estive dois anos no Liceu e dois na Escola Industrial, não estudei mais, mas adoro tudo o que é História portuguesa. Tudo.
Entrevista: Madalena Balça | Fotos: Mike Neal / Família Duarte