Luis Sequeira
Entrevistas

Luis Sequeira

milenio stadium - luis sequeira

 

Luis Sequeira nasceu em Toronto, no Canadá. A mãe portuguesa de Lisboa com raízes em S. João de Loure, Albergaria-a-Velha, Aveiro, alinhavou-lhe o percurso de vida. Por entre linhas, agulhas e dedais o pequeno Luis crescia enquanto a mãe fazia os seus trabalhos de costura em casa (lembrando os tempos em que, ainda em Lisboa, trabalhava no seu próprio atelier), depois de chegar do seu trabalho num hospital de Toronto. Como qualquer mãe que sonha com o melhor futuro para o seu filho, a mãe de Luis Sequeira tinha o sonho de o ver contabilista, mas os carrinhos de linhas já lhe tinham ocupado o espaço do “quando for grande quero ser”… e, na verdade, o seu destino estava traçado: tornou-se um Designer de Moda e trabalhou, durante vários anos, como estilista. Como chegou a um dos figurinistas mais bem-sucedidos da indústria do cinema é outra história que deixamos para o próprio vos contar.

Nomeado pela segunda vez para um Óscar, agora com o Guarda-Roupa do filme Nightmare Alley – O Beco das Almas Perdidas”, de Guillermo del Toro, Luis Sequeira está também na corrida para o prémio de Costume Designers Guild Award-Period Film, BAFTA, Critics´Choice Movie Award e CAFTCAD-Best Costume Design in Film Period com o guarda-roupa do mesmo filme. Em 2018, com o filme The Shape of Water – A Forma da Água, Luis Sequeira recebeu várias nomeações nas diversas associações para o Guarda-Roupa, conquistando o prémio Costume Designers Guild Awards-Excellence in Period Film e, em 2019, o prémio no CAFTCAD-Best Costume Design in Film Period, Associação do qual foi presidente entre 2008 e 2013. Apesar de todo o sucesso e reconhecimento, Luis Sequeira mantém os pés bem assentes no chão e continua a “vestir” um manto de humildade e simpatia. Diz que vai de “passeio” à cerimónia de premiação dos Óscares, consciente da importância que isso tem, mas também reconhecendo o mérito e valor dos seus concorrentes.

Revista Amar: Que memórias tem da sua infância em Toronto? A sua família vivia as tradições portuguesas no Canadá?
Luis Sequeira: Lembro-me muito bem de ir ao Jardim Zoológico e ir fazer as compras na área da Augusta com os meus pais aos fins de semana. Também me lembro de estar debaixo da mesa, aos pés da minha mãe enquanto costurava. Que mais? Ah! Brincar na rua como todas as crianças brincavam antes da internet.

RA: Apesar de ter nascido em Toronto o Luís tem um português muito bom. A aprendizagem da língua portuguesa foi feita em casa, com a família ou frequentou a escola portuguesa?
LS: Veio principalmente de casa, pois a minha mãe falava sempre em português comigo, mas andei na escola portuguesa à noite durante 4 anos… e baldei-me algumas vezes à escola (riso).

RA: E gostava da escola ou “fugia” por não gostar?
LS: Eu fugia algumas vezes por causa da matemática. Se já tinha matemática na escola inglesa, para quê precisava de mais na escola portuguesa?

RA: E o que fazia durante esse tempo?
LS: Ia ao cinema. Saia da escola para ver um filme e chegava a casa à hora que deveria chegar se tivesse ido para a escola. (risos)

 

 

RA: Sei que mantém uma ligação forte a Portugal. O que mais o atrai no país de origem dos seus pais?
LS: Eu tenho muitas memórias da minha infância de quando ia ver a minha avó à aldeia, muito rural perto de Aveiro… com estradas antigas, vacas e bois e todo o que era diferente de viver no Canadá. Por acaso não íamos muita vez a Portugal, mas nas vezes que fomos fiz muito boas memórias e Portugal ficou sempre no meu coração, tanto que decidi tirar a dupla nacionalidade.

RA: Consegue imaginar-se a viver um dia em Portugal?
LS: Bom, o meu plano é passar meio ano lá e meio ano cá! Já estou a procurar casa em Portugal e a preparar coisas nesse sentido… vamos ver como a vida corre.

RA: Já está a pensar na reforma…
LS: … (riso) é isso e a reforma não se prepara de hoje para amanhã.

RA: E nesse tempo que pensa passar em Portugal, o que espera lá encontrar? E porquê meio ano?
LS: Digamos que quero lá passar o inverno, porque não gosto do inverno no Canadá. Como gosto de jardinar, gosto mais de ver a paisagem verde do que a paisagem morta.

RA: Quando recomenda visitas a Portugal (sei que já o fez algumas vezes a amigos) o que é que destaca? Quais são os argumentos que usa para convencer alguém a fazer umas férias em Portugal?
LS: Eu digo que é um país lindíssimo… pequenino, mas que tem uma paisagem variada e completa, com praias, cidades e aldeias lindas. Também falo que o Norte e o Sul são muito diferentes, mas que as pessoas são fantásticas e simpáticas e se chegas lá sem falar ou a tentar falar português as pessoas abrem as portas… Falo do sol, do mar e da qualidade de vida.

RA: E eles depois visitam Portugal?
LS: Eles vão! E estão sempre a pedir-me informações ou a perguntarem-me para onde é que acho que eles devem ir. Neste momento, pós-pandemia, nem sei como as coisas estão por lá… vou ter que ir lá ver!

RA: Sei que passava alguns meses por ano em Portugal. O que procura lá? Paz?
LS: Sim… paz. Sabes, quando acabo um trabalho e vou para Portugal, ao fim de 2 ou 3 dias de lá estar ficou relaxado. Já se sabe que à volta de uma casa na aldeia, ao fim de uns meses ou anos, crescem silvas e outra vegetação e quando vou lá passo muitos dias no jardim e lembro-me muito bem que só dou conta que está a ficar tarde porque começa a ficar escuro, no verão mais tarde e no inverno mais cedo, claro. Passo horas e horas no meu jardim a limpar, a ver ou a cortar as flores que é uma coisa que gosto… que adoro mesmo e a respirar o ar puro.

RA: Quando em pequeno via a sua mãe trabalhar na costura já sentia que seria por aí que o seu caminho profissional ia seguir?
LS: Eu tenho uma memória muito viva desse tempo. A minha mãe tinha frasquinhos individuais com perolas e cristais de várias cores… pretos, dourados, prateados, etc. e eu não gostava de os ver separados e eu misturava-os… (risos) e ela ficava doida com isso. Também me recordo de uma vez, no tempo do G.I. Joe, em que decidi fazer uma capa e cortei uma sai dela… uma capa do estilo dos estudantes de Coimbra. Cortei a pobre da saia toda e lá me amanhei a fazer a capa… depois disso a minha mãe disse “olha, se queres fazer alguma coisa vai àquela caixa que tens lá tecidos.”

RA: Mas a sua escolha de profissão não foi muito do agrado da sua mãe, que preferia que seguisse contabilidade…
LS: Sim, ela preferia que eu fosse contabilista ou advogado, qualquer coisa deste género. Ela dizia “eu não entendo como gostas disto (costura)” e eu respondia “a sério, mãe? Vê lá?”… nos anos 70, ela fazia-nos as roupas quando íamos viajar e isso estava muito presente no meu crescimento.

RA: Depois do curso de Design de Moda feito, qual foi o seu percurso até chegar ao mundo do cinema?
LS: Ainda andava no curso e precisava de um atelier e decidi abrir um com uma loja… e assim fazia as duas coisas, podia ter os clientes e vender roupas e trabalhar no atelier na parte de trás. Abri o atelier na Queen Street West, perto da Ossington Avenue, nesse tempo ainda não era uma área chique. (risos) Durante esse tempo que estive lá, apareceram outros estilistas canadianos novos que me iam mostrar a roupa deles e fazíamos uma coleção no fabrico e trabalhava com eles e ia à escola ao mesmo tempo. Um dia uma senhora, que comprava roupa para filmes, entrou na loja e que se apaixonou pelas roupas e ficámos amigos. Entretanto, ela disse-me “tens as roupas, uma linha, uma loja e tanta energia, que devias tentar entrar na indústria de filme”, mas eu não fazia a pequena ideia do que era isso…

RA: … e nem como se entrava…
LS: … exato! Nesse tempo a indústria era muito fechada. Mas o que aconteceu foi que, durante um ano, andei a falar com pessoas e ao fim desse ano, recebi um trabalho de formação com uma equipa de três pessoas e aprendi tudo sobre tudo… desde do que era a indústria de filme, como pintar roupas para parecerem velhas e como conduzir a carrinha do guarda-roupa que, na época, era pequena. A partir dai comecei a trabalhar em todas as posições que havia nesse departamento até chegar a ser um figurinista. Depois foram anos e anos a trabalhar para a televisão, que me prepararam para estes projetos maiores e importantes.

RA: Essa formação foi em Toronto ou nos E.U.A.?
LS: Foi aqui, em Toronto.

RA: E como chegaram os convites de Hollywood?
LS: Bom, os convites de Hollywood têm sido sempre… vamos dizer, de trabalhos que são feitos mais ou menos em Toronto, ou seja, eles vêm cá filmar. Mas, tudo começou depois de 15 anos a trabalhar como figurinista, quando um amigo meu me disse que “tenho uma amiga que vem fazer um filme e precisa de um figurinista como ajudante” e perguntou-me se eu queria fazê-lo. Ora, primeiro fiquei naquela de “eu sou um figurinista! O que é que eu vou fazer como ajudante?”, mas ao mesmo tempo eu queria fazer esse filme. Então, fui e fui ajudante dela e aprendi imenso! Não só aprendi o processo de outra figurinista, como também ficámos amigos até hoje. Ainda recentemente, em Los Angeles, estivemos juntos a jantar e passámos horas e horas a falar. Depois desta experiência, voltei a repeti-la mais três vezes e tenho que dizer que foi fundamental para eu chegar onde cheguei, por várias razões: nunca poderia pagar por estas experiências… sentir, ouvir, ver outros figurinistas a trabalhar, como tratam os atores e os produtores ou como é o processo artístico e tê-los agora como amigos e que me abriram muitas portas com outros figurinistas e produtores. Tem sido um “win-win”.

 

 

RA: Como pensa um guarda-roupa de um filme? A sensação que dá a quem está de fora é que o Luís tem, de certo modo, que se transpor para a época e ambiente do filme e, ainda por cima, encarnar as personagens. É assim?
LS: É claro que, o guião é fundamental e depois de o receber, faço uma pesquisa intensa e começo a ver coisas… é quase como naquele filme “A Beautifull Mind”, eu vejo uma coisa que me diz que tem que ser parte do filme e como podes calcular, quando ando à procura intensamente e, por exemplo, quando vejo mais de 100 coisas por hora ou por dia acontece uma coisa quase espiritual… e quando começo uma peça aparece um tecido, uns brincos, uns sapatos e visualizo tudo e começo a pensar como posso combinar as coisas ou penso onde vou meter as coisas. Os filmes são grandes e tenho que procurar as peças todas para incluir nas ideias que tenho desde dos tecidos aos botões, sutiãs, gravatas… tudo, é mesmo tudo.

RA: É tudo feito de raiz?
LS: Pelo menos 90% das peças são feitas de raiz por mim e pela minha equipa.

RA: Então, os figurinistas são os primeiros a ler o guião, mesmo antes dos atores.
LS: Sim e muitas vezes ainda nem se sabe que são os atores do filme. As vezes posso saber de antemão quem é um dos protagonistas, mas por norma não se sabe

RA: Quer dizer que quando começa, não sabe as medidas das pessoas que vai vestir…
LS: … não, não sei.

RA: Quanto tempo demora esse processo, desde do momento que recebe o guião ao primeiro dia de rodagem?
LS: Pelo menos 13 semanas, mas muitas vezes é mais… são 3 meses e pouco.

 

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RA: Mas isso não é pouco tempo para trabalhar num guarda-roupa?
LS: É muito pouco tempo! E por isso não podemos e nem conseguimos acabar tudo antes de começarem as filmagens. Nós vamos fazendo consoantes as cenas que vão sendo filmadas, ou seja, saber o que vai ser filmado para a semana que vem e procurar e fazer as peças… se eu tivesse que fazer o guarda-roupa completo até ao primeiro dia, punha-me a chorar numa esquina do quarto.(risos)

RA: E o que é que acontece com o guarda-roupa depois?
LS: Os estúdios levam tudo e penso que depois vendem ou alugam a outros… não sei, isso depois é com eles.

RA: O “Shape of Water” foi o seu primeiro trabalho premiado?
LS: De cinema, sim. Mas antes disso, em televisão (CBC), foi o “Being Erica”.

RA: O facto de ser um figurinista premiado e nomeado para os prémios mais relevantes da indústria cinematográfica facilita-lhe a vida ou acrescenta-lhe mais responsabilidade?
LS: Mais responsabilidade, mas tenho que te dizer que é mais em Portugal do que aqui, porque sempre que vou lá as pessoas dizem-me constantemente “opá, vi os Óscares e não ganhaste… o que aconteceu?”. Eu só posso dizer que faço o meu melhor. Sou a pessoa mais dura comigo mesmo e não preciso de pressão dos outros.

RA: O trabalho de criação é, normalmente, muito solitário. É também assim no seu caso?
LS: No início, gosto de estar sozinho… mas tenho que ser sincero, o processo é enorme e muitas vezes até digo que não sou o figurinista, mas sim o “decididor” porque tomo as decisões. Tenho a minha equipa, algumas pessoas com mais experiência em certas áreas e apesar de eu pensar em muitas das coisas, não tenho tempo para pensar em cada pequeno detalhe ou fazer tudo… já trabalho 18 horas por dia, não posso fazer mais. Uma das razões que me fez sair da Moda, foi a falta de sentido de colaboração.

RA: Quantos colaboradores tem na equipa?
LS: Depende, há uns tempos tive 50.

RA: Não deve ser fácil supervisionar uma equipa com tantos colaboradores, pois não?
LS: Não, mas tenho muita ajuda das minhas duas assistentes, que são fantásticas e portanto, tenho sorte.

RA: Como é lidar com as vedetas e tudo o mais que envolve o mundo de Hollywood?
LS: É fantástico! Se o figurinista guardar tudo para ele, ou seja, não partilha ideias ou mostra materiais como os tecidos que vai utilizar, vai encontrar problemas. Eu prefiro ser aberto, mostrar e partilhar as coisas e eles veem o nosso trabalho, que temos o conhecimento e gosto pelo que estamos a fazer e geralmente corre bem. A minha filosofia é ser aberto e colaborar com os atores, porque quero que eles se sintam completamente confortáveis para que quando vestirem as roupas possam entrar na personagem e fazerem o seu trabalho… e encarnar e desempenhar uma personagem é um trabalho muito difícil.

RA: E com o realizador? Também é fácil trabalhar?
LS: Sim. O que acontece com o Guarda-Roupa é que apesar de termos reuniões, nós passamos muito a trabalhar sozinhos porque os realizadores não têm tempo. Então é do género, falamos depois estamos uns tempos sem falar, depois voltamos a falar e mostramos os Mood Boards e fotografias das provas, às vezes eles estão presentes durante prova, o que é muito bom… costumo dizer que “não há pessoa que pensa mais na roupa do filme, do que o figurinista e neste caso, eu” e por isso é bom quando se trabalha assim.

RA: Li que gostaria de produzir e, naturalmente fazer o guarda-roupa, de um filme realizado em Portugal. Porquê?
LS: Sim, gostaria porque Portugal tem paisagens fantásticas, umas histórias fantásticas…há um livro de Robert Wilson “Uma Pequena Morte em Lisboa” que é em inglês… é uma história do tempo do Salazar nos anos 40 e que acho que daria um excelente filme e gostaria de o fazer e estar lá.

 

 

RA: Está a dias de saber se ganha ou não um Óscar com o seu trabalho no filme Nightmare Alley? Que expectativa tem? Acha que vai ganhar?
LS: Não tenho espectativas… nenhuma mesmo. Vou para um “passeio” e aproveitar o momento.

RA: A nível profissional, qual foi a lição mais importante que aprendeu?
LS: Aprendi saber usar o “chapéu” que nos dão… ter confiança e fazer o máximo e o melhor possível com o “chapéu” que nos deram.

RA: Nesta fase da vida, o que deseja ainda concretizar?
LS: Bom, desejo chegar a um ponto de ter um pouco mais de balanço entre trabalho e descanso. São problemas bons de se ter, mas trabalho muito intensamente por um pequeno período de tempo e tenho que criar um equilíbrio para ter um pouco mais de “Zen” na vida, porque o trabalho durante as filmagens é intenso… é uma vida muito intensa.

 

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RA: E profissionalmente, sente-se realizado?
LS: Digamos que, depois do Bradley Cooper e da Cate Blanchett terem vestido roupas que fiz… se morresse amanhã (risos)… além de os ter vestido, ficámos amigos e mandamos mensagens… acho que não é nada mau, é fantástico.

RA: Que mensagem gostaria de deixar aos leitores da Revista Amar?
LS: O que posso dizer? Gostaria de dizer para as pessoas seguirem sempre os seus sonhos e fazerem o que amam… apaixonem-se pelo vosso trabalho! Não há nada pior na vida do que fazer alguma coisa de que não se gosta… é uma existência sem recheio e sem alma. Em vez de ser um contabilista, sou um figurinista e tenho muita pena que a minha mãe não esteja cá para ver onde cheguei, mas tenho a certeza, onde quer que ela esteja, que ela está a ver que, no fim, deu tudo certo.

 

 

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