Maria & Jorge Ribeiro
Entrevistas

Maria & Jorge Ribeiro

No mês dos enamorados e da família, fomos conhecer um casal que está prestes a celebrar 47 anos de casamento. Simpáticos, alegres , sociáveis e com uma forte ligação ao voluntariado e à comunidade portuguesa no Canadá, Jorge e Maria Ribeiro são os convidados da edição de fevereiro da Revista Amar.
Quisemos saber como se conheceram, os desafios de outros tempos, os valores e os laços que os mantêm unidos até hoje, o seu trabalho à frente de organizações como a ACAPO e quais as suas opiniões sobre o futuro desta comunidade que ajudaram a crescer.

O Jorge e eu casámos por amor. Nós até podemos olhar para trás e dizer “sabíamos nós lá o que estávamos a fazer”, mas na altura era assim que as coisas aconteciam e tínhamos muita maturidade com apenas 21 anos.

Revista Amar: Jorge e Maria Ribeiro, nomes incontornáveis da nossa comunidade, aqui em Toronto, pelo empreendorismo e muito voluntariado na comunidade portuguesa. Vamos regressar ao passado e conhecer o Jorge e a Maria. Onde tudo começou?
Jorge Ribeiro: Eu nasci no dia 23 de fevereiro de 1950 em Salir de Matos, a 5 km das Caldas da Rainha e sou filho único. Eu vivi até aproximadamente aos meus 12 anos nas Caldas da Rainha. Com 12 anos fomos para Lisboa até que o meu pai, que era marinheiro da Marinha de Guerra, foi mobilizado para Moçambique e com 15 anos estava de regresso às Caldas por mais dois anos. Completei o liceu em 1969. Com 18 anos volto para Lisboa e comecei a trabalhar na Lisnave, uma empresa de construção Naval em Cacilhas. Por causa do meu emprego mudámos-nos para a Cova da Piedade, em Almada.
Maria Ribeiro: Eu também nasci em 1950, a 27 de agosto numa aldeia chamada Cruzes, a 6 km das Caldas das Rainha. O meu pai emigrou para aqui quando eu tinha oito anos e fiquei com a minha mãe em Portugal. Eu também sou filha única. Ainda estudei no liceu nas Caldas da Rainha até que o meu pai, três anos depois, nos diz que já tinhas o papeis para nos ir buscar. Eu saí do liceu, mas ainda estivemos um ano à espera do meu pai que queria nos ir buscar na altura que tivesse férias. Durante esse ano de espera tive explicações privadas de inglês. Cheguei ao Canadá com 12 anos, no dia 23 de dezembro de 1962 e lembro-me perfeitamente da tristeza que senti, porque não gostei das casas… não gostei de nada e ainda por cima fomos viver para um apartamento que só tinha um quarto e eu dormia numa cama dobrável na cozinha. Depois de passarmos dois anos por um outro apartamento, já com um quarto só para mim, os meus pais compraram esta casa onde vivemos hoje. Quando cheguei fui para o 5.º ano, mas no ano seguinte saltei para o 7.º sem fazer o 6.º ano, e acabei o High School.

R.A.: Se o Jorge estava em Portugal e a Maria aqui, onde é que se conheceram?
M.R.: Foi em Portugal, no verão de 1968. Nós emigrámos para cá em 1962 e desde então ainda não tínhamos ido lá. Nessa altura a minha mãe quis ir de férias. Só fomos as duas em junho e eu fazia 18 anos em agosto. Nós fomos diretas para Salir de Matos, onde íamos ficar na casa da madrinha da minha mãe, e não para a minha terra, Cruzes, porque a nossa casa estava muito velha. A casa onde ficámos, era do outro lado da rua da casa do Jorge. Estou a sair do Táxi, a chegar do aeroporto, e aparece este senhor à minha frente e diz “Então, estás cá?”, e eu olho para ele e não o reconheci.

R.A.: Então já se conheciam…
M.R.: Sim, nós conhecemo-nos no liceu na aula de Português e apanhávamos o mesmo autocarro para ir para escola nas Caldas da Rainha. Contudo, já tinha ouvido falar dele porque a minha mãe nasceu em Salir de Matos e era vizinha dos pais dele, porém nessa altura não houve qualquer ligação.

R.A.: E porquê?
M.R.: Porque o Jorge era daqueles tipos que eu não gostava, nem de longe (risos)… Ele era daqueles meninos que se tinham que exibir nas aulas e que tinham a mania que eram bonitos e engraçados, e eu detestava! Também era muito popular entre as meninas.

R.A.: E o Jorge reconheceu-a?
M.R.: Sim, ele sabia quem eu era, porque nas aldeias as pessoas falam e toda a gente já sabia que nós, a minha mãe e eu, íamos de férias.

R.A.: O que aconteceu depois do “Então, estás cá?”
M.R.: Perguntou-me se eu ia ao arrial, a festa na minha terra, mas a falar comigo como se tivesse falado comigo “no dia anterior”. Comigo estava a minha amiga, hoje minha comadre, e pela minha reação perguntou-me “Tu não sabes quem é?” e a minha resposta foi “Eu sei lá quem é!”. Depois ela explicou-me quem era o Jorge, e que ele tinha andado comigo no liceu. Ora, claro que eu queria ir à festa (risos)… então fui mais a minha mãe à festa e quando lá cheguei o Jorge já lá estava com os amigos.

R.A.: E o Jorge convidou-a a dançar?
M.R.: Sim, mas antes ainda houve uma situação. Estava vestida um pouco diferente das outras raparigas, um estilo mais canadiano e que deu nas vistas, tanto que um membro do conjunto disse que vinha lá uma menina que parecia uma espanhola e dedicou-me uma canção. Acontece que ninguém me convida para dançar e eu começo a ficar muito embaraçada a olhar para o Jorge, a única pessoa que eu conhecia, na esperança que ele me convidasse para dançar, ele olhava para mim, mas nada. Eu tinha toda a gente a olhar para mim, e eu só olhava para o Jorge a pensar “faz alguma coisa!”, mas ele nem se mexeu. Acaba a música e o conjunto continua a tocar e só aí é que ele me convida para dançar e eu aceitei. Para resumir, a partir daquele momento e durante os 2 meses que estive de férias, só dancei com o Jorge. No dia a seguir apareceu-me à porta pela manhã com um grande cacho de uvas, branquinhas e muito boas… não sei onde ele as foi buscar, pois ainda não era a época delas.

R.A.: Jorge, como soube que a Maria estava para chegar e como é que a reconheceu?
J.R.: Uns dias antes, a minha madrinha perguntou-me se eu já sabia quem estava para chegar, mas como eu vivia em Lisboa e só estava a passar férias, obviamente que não sabia. Contou-me então que era a Maria e acrescentou que ouvira dizer que a Maria vinha para arranjar namorado… (risos)… língua do povo… (risos)… ora, eu lembrava-me dela do tempo da escola, mas se eu não soubesse que ela estava para chegar, provavelmente não a teria reconhecido porque estava diferente.

R.A.: Jorge, conte-nos lá porque não “socorreu” a Maria naquela dança?
J.R.: Vou dar uma explicação e não uma justificação. Sabes, naquela altura havia uma certa rivalidade entre os rapazes. Os rapazes não íam à aldeia alheia tentar “roubar” as raparigas. Na minha terra, se isso acontecesse, levavam uma “corrida”… (risos). Naquela situação eu respeitei a primeira dança, mas como os rapazes da terra não se chegaram à frente, na segunda dança fiz o convite. Sabes, apesar de estarmos na terra da Maria – Cruzes -, ela já estava fora há 6 anos. Os rapazes olhavam para ela como se fosse uma “taça” que estava ali e que ninguém lhe podia tocar. Mas foi assim que tudo começou e passámos a noite a dançar.

M.R.: E eu nem sabia que gostava de dançar (risos)… na primeira dança eu não acertáva o passo com ele, tanto que ao meio eu queria parar e disse ao Jorge que me ia embora, mas ele agarrou-me com força e disse “ficas aqui e segue-me”, e só a partir daí é que acertámos. Ou seja, aprendi a dançar com ele. Aqui, em Toronto e até aos 16 anos, eu não tinha contacto com nada que fosse português. As únicas festas a que ia eram as da escola, das 16:30h às 20:00h, porque o meu pai não me deixava sair com ninguém e por isso não havia contacto com a comunidade e não íamos aos bailaricos, mas eu gostava de música portuguesa.

R.A.: Acabam as férias e a Maria regressa ao Canadá. Regressa com casamento marcado?
M.R.: Não, só de namoro.

R.A.: E o Jorge veio com ela?
J.R.: Não. Só tínhamos 18 anos e naquele tempo não era assim. Eu na altura trabalhava em Lisboa e a Maria ainda tinha que acabar o “High School”.

R.A.: Na época não havia internet. Como comunicavam?
M.R.: Como não havia internet e telefonar ficava muito caro, comunicávamos por cartas e cassetes. Eu escrevia todos os dias, às vezes não a completava naquele dia, mas todos dias fazia um “resumozinho” e enviava duas vezes por semana. Só em ocasiões especiais é que telefonava, como no Natal.

R.A.: As cartas, suponho que devem ser muitas, ainda existem?
J.R.: Existem pois. Estão guardadas. Eu sou um colecionador de tudo. (risos)

R.A.: Hoje em dia apesar da comunicação estar mais facilitada para quem vive uma relação a longa distância, através das ferramentas que se foram criando com a chegada da internet, os namoros e alguns casamentos não resistem ao ciúme e desconfiança. O Jorge e a Maria passaram por esse dilema?
M.R.: Eu sentia-me muito segura porque era ingénua (risos), mas descobri mais tarde que o Jorge é que não estava seguro. Eu acreditava em tudo no que ele me escrevia nas cartas, também não tinha razões para não acreditar pois não via nada. Ele lá juntava-se e estava com os amigos nos fins de semana. Entretanto, mais ou menos dois anos depois, juntei-me aqui ao grupo Juventude Franciscana com o padre Alexandre na Igreja St.ª Inês e assim também estava ocupada com atividades aos fins de semana. Eu contava tudo ao Jorge. Se ia a uma festinha e o que tinha feito. Cheguei a fazer duas ou três vezes rádio com um amigo, o Joe da Costa da Addison, que a comunidade conhece muito bem. Ora eu contava tudo, mas um dia recebo uma carta do Jorge onde dizia que estava muito feliz por mim por eu me ter juntado ao grupo, que fazia bem ter muitos amigos, sair e que, como ele provavelmente ia ser mobilizado para o Ultramar, achava que só nos deveríamos comunicar de vez em quando e que quando voltasse logo se via como ficavam as coisas. Estava, portanto, a acabar comigo e eu sem perceber o porquê. Chamei aquela que na altura era a minha melhor amiga e fartei-me de chorar. Utilizei o telefone pela primeira vez para falar com ele. Tive então uma conversa com ele e a resposta «à la Jorge Ribeiro» foi que não sabia do que eu estava a falar, que não se passava nada, que não havia nenhum problema e que estava tudo bem. Facto é que ele me mandou aquela cartinha só para ver a minha reação e assim fiquei a saber que ele tinha ciúmes. Depois deste episódio continuei no grupo até ir a Portugal, no verão de 1970. Nessa altura ia com uma intenção… ou o namoro continuava ou acabava. O Jorge estava à minha espera no aeroporto. Assim que o vi já não pensei em mais nada… e o namoro ficou mais sério, porque revermo-nos ao fim de dois anos renovou os sentimentos e fez toda a diferença. Nesse mesmo verão ficámos noivos.

R.A.: Nessa altura fica em Portugal ou o Jorge vem com a Maria?
M.R.: Não, eu volto sozinha para o Canadá.
J.R.: Eu fiquei porque tinha que ir para a tropa. Para resumir, depois de ter tirado a especialidade de atirador, como Furriel, dei formação no Quartel de Vendas Novas. No fim do ano de 1971 formei Batalhão em Évora e lá fiquei a saber que tinha sido mobilizado para o Ultramar, em concreto para Moçambique. Pronto, começámos logo a falar que queriamo-nos ver antes de eu ir. Falámos em casamento e casámos por procuração. Era muito comum naquela época. A Maria chegou uns dias depois da minha mãe ter casado comigo em nome dela, por civil, a 25 de fevereiro. (risos) A Maria foi comigo para Évora, onde ficámos até abril, e quando aconteceu a minha ida para Moçambique, a Maria voltou para aqui. O casamento pela igreja foi realizado mais tarde.
M.R.: O que foi muito difícil.
J.R.: Estivemos assim durante um ano e só nos voltámos a ver quando a Maria foi ter comigo a Lisboa, quando tive direito a um mês de férias. Findas as férias voltámos ao mesmo. Eu em Moçambique e a Maria no Canadá.
M.R.: Assim que cheguei aqui comecei a pensar que não podíamos continuar assim. Ainda por cima, durante aquele tempo que estive em Évora, fiquei a saber por outras esposas de militares graduados, que estavam mais ao menos na mesma situação como a nossa, que o local para onde o Jorge ia, sendo Furriel, tinha direito a levar a esposa se quisesse. Ora o primeiro ano deixei passar, mas depois eu disse-lhe que, ou ele me mandava ir ter com ele a Mecula, que ficava na província de Niassa, ou eu aparecia-lhe lá. Primeiro ele não queria, mas lá pensou melhor e organizou a minha ida e cheguei em janeiro de 1974 a Lourenço Marques onde o Jorge me foi buscar. Antes de irmos para Mecula passámos um mês formidável a viajar por Moçambique. Posso dizer que foi o melhor tempo na minha vida. Uma experiência fenomenal que jamais esquecerei. Depois desta lua-de-mel fomos de avioneta para Mecula. A nossa casa, que ficava no mato à beira do quartel, era por fora uma “palhota”, mas por dentro tinha paredes em cimento. Entretanto engravido e começo a passar muito mal e vomitava muito. Os enfermeiros do quartel bem que me davam injeções e comprimidos mas nada ajudava e tive que ir embora para Lisboa. Saí de Lourenço Marques no dia 14 de abril e no dia seguinte fui internada na Clínica S. Miguel. O Jorge só foi ter comigo 3 meses depois, quando acabou o serviço militar.

R.A.: Passados 45 anos, voltava a Moçambique?
J.R.: Eu gostava de lá voltar e se possível com companhia, mas nós temos tantos planos e a partir de uma certa idade temos um problema, a falta de tempo.
M.R.: Voltava, mas com um certo receio. De Moçambique só tenho memórias boas e não as quero estragar.

R.A.: O Jorge conseguiu trabalho quando regressou a Portugal?
J.R.: Sim, na Lisnave que pagava muito bem e tinhamos benefícios.

R.A.: Contudo não ficaram em Portugal.
J.R.: Quando nasceu a Patrícia demos conta das limitações. Foi o período pós 25 de Abril. Não havia leite. Eram filas intermináveis para se comprar certas coisas. Nós não estávamos preocupados com a nossa situação económica, o que nos afligiu foi a instabilidade pela qual o país estava a passar e as repercussões que isso ia ter no futuro. Nós víamos a tensão a aumentar dia após dia na rua e no trabalho. Politicamente havia uma tendência de esquerda a aumentar e provocava muitas discussões e desentendimentos entre colegas e eu comecei a ficar farto daquilo. Então começámos a falar em emigrar.
M.R.: Nós éramos filhos únicos. Os meus pais estavam emigrados no Canadá e os meus sogros emigrados nos E.U.A.. Não fazia sentido estarmos sozinhos, num país instável. O meu pai escrevia-me para nós virmos e que podíamos viver na parte de cima da casa – desta casa – sem termos que pagar renda e que não fazia sentido estarmos em Portugal. Apesar de amar Lisboa e aliás quando casámos a minha ideia era “emigrar” para Portugal, mas a situação do país, pelos anos que tinha passado aqui antes de casar, o nascimento da menina e eu sem ajudas de ninguém… isso tudo puxava-me para voltar. Nós estávamos casados já há alguns anos, mas eu ainda estava a aprender a ser esposa quando fui mãe. O pouco tempo que tínhamos estado juntos eram luas-de-mel. (risos)

R.A. E vieram para o Canadá. Porque não ir para os E.U.A.?
J.R.: Porque aqui iríamos ter melhores condições. Os meus pais viviam num apartamento.
M.R.: Para os E.U.A eu não ia. Aqui ia ter casa de graça. A minha mãe ia tomar conta da menina, ou seja, ia ser a “babysitter”.
J.R.: Quando cá cheguei fui para escola durante nove meses e depois comecei a trabalhar. Lembro-me bem que na altura já se ganhava bem, mas não se poupava mais por isso. Na altura comprámos um carro novo que ficou pago em cinco meses. Onde é que poderia fazer isso? Nós aqui tínhamos as condições para isso.

R.A.: O Jorge chegou a viver nos E.U.A.?
J.R.: Não.
M.R.: Eu interrompi esses planos em 1970 quando fui a Portugal ter com ele nas férias (risos). Pode-me agradecer, pois a vida dele tinha sido muito diferente da que tem aqui. Ele está aqui e está muito bem. Temos dois filhos e quatro netos.

R.A.: Falem-nos um pouco dos seus filhos.
M.R.: A Patrícia tem 44 anos e nasceu em Lisboa. Tem muito orgulho em ser “alfacinha”. Tirou o curso de Broadcasting na Ryerson University e sempre trabalhou em televisão. Aliás, já em pequenina fazia rádio e televisão. Fez muita rádio na nossa comunidade para aprender. Quando saiu da universidade teve um programa de crianças. Ela gosta de visitar Portugal e se pudesse ia todos os anos. O Andrew tem 34 anos e já nasceu cá. Tem muito orgulho de ser português, mas se o conhecessem não diriam, pois é muito canadiano nas paixões dele. Como por exemplo, ir à pesca e ir para o campo. Inclusive a esposa dele foi escolhida “a dedo”, ou seja, ela tinha que gostar das mesmas coisas senão não ia dar certo. Em relação a Portugal, agora tem vindo a mudar de ideias, porque gosta de jardinagem e através das pesquisas na internet tem encontrado plantas que se dão lá. Por outro lado nós temos lá terrenos e por isso ele até que gostava de trabalhar lá, mas por questões pessoais não é possível. Os nossos filhos são muito diferentes e apesar da diferença de idades dão-se muito bem, são muito amigos.

R.A.: Consideram viver em Portugal?
J.R.: Para já não, mas não está fora da equação. Para já faria mais sentido passar mais tempo lá do que cá. Agora vamos a Portugal quatro vezes por ano, o que já é muito bom. Vamos porque tenho lá a minha mãe. Não me importava de lá estar dois meses seguidos ou até três meses, dependendo da altura do ano. Não está fora de questão, mas quando se tem filhos e netos é mais difícil.

R.A.: Em Portugal trabalhou na Lisnave. Como foi o seu percurso profissional desde que chegou ao Canadá?
J.R.: Quando cheguei fui trabalhar para uma fábrica. Uns anos depois passei pela jardingem até que tive um problema de saúde que me deixou de cama durante uma semana. Semana essa em que não recebi como ainda, tal qual como hoje. Isto levou-me a pensar que já não queria continuar assim e soube que a Douglas Aircraft estava a precisar de pessoal. Fui lá preencher uma aplicação e consegui entrar nos quadros da empresa. Nessa altura já vendia enciclopédias como “part-time”. Quando saí da Douglas Aircraft, aproximadamente três anos depois, juntei-me a duas outras pessoas que também andam nas vendas e formámos uma companhia de publicidade, a Multi Advertising.

R.A.: É aí que começa o seu envolvimento profissional na comunidade?
J.R.: Sim. Através dos serviços que começámos a prestar, como por exemplo, os calendários de secretária. Em Portugal havia um cartão de discontos, Top Card, que nós copiámos, mas nas ligações para Portugal por causa do cartão ficámos a saber que o mesmo grupo fazia uma lista telefónica para os Açores, as Páginas Azuis, porque eles não tinham as Páginas Amarelas. Apesar da Guia Comercial já existir, nós criámos as Blue Pages com outro conceito. Há mais ou menos cinco anos houve a união da Blue Pages e da Guia Comercial, hoje conhecida por todos como Blue Guia.

R.A.: A Maria sempre trabalhou na Multi Advertising?
J.R.: Não, só começou em 2000.

R.A.: Como é trabalhar com a Maria?
J.R.: (risos) … Uma pergunta muito interessante… tem coisas boas e coisas menos boas. A parte boa é que sinto que há a responsabilidade para que as coisas sejam bem feitas. A parte menos boa é que, como somos pessoas diferentes, vimos e fazemos as coisas de maneira diferente e , por vezes, corre-se o risco de exigir mais do que se deve, porque pensamos que a outra pessoa tem que pensar ou fazer da mesma maneira, o que às vezes não acontece. Nestas alturas dão-se, ocasionalmente, os “choques” e esse é que é o problema. Mas penso que isto deve acontecer com quase todos os casais que trabalham juntos porque, por muito que se procure evitar o confronto, acaba sempre por acontecer. O trabalho vem mais vezes para casa do que deveria. O trabalho está sempre presente. Torna-se um dilema, contudo tem mais vantagens do que desvantagens.

R.A.: E como é trabalhar com o Jorge?
M.R.: É difícil, porque o Jorge é muito exigente. Se calhar, por ser esposa, espera muito mais de mim e não desculpa facilmente erros de distração. Comecei a trabalhar com o Jorge depois de me reformar aos 51 anos. Não pensei que alguém me desse emprego noutra área e pensei que poderia ser útil e ajudá-lo. Na altura fiquei feliz por isso, mas rapidamente vi que os problemas profissionais estávam a interferir com a vida pessoal. Eu não aconselho a casais trabalharem juntos.

R.A.: E o Jorge… aconselha casais a trabalharem juntos?
J.R.: Acho que quem poder evitar, para o casamento é melhor, mas nada é perfeito neste mundo e não se pode ter tudo.

R.A.: Como surge a ligação à comunidade, ou seja às associações, clubes, etc… e o voluntariado?
J.R.: Começou logo quando cá chegámos e quissemos encontrar um lugar onde podíamos conviver e dançar. Falaram-nos que na Casa do Benfica. Havia uns bailes e um bom ambiente familiar. Fomos então até lá, que na altura era na Queen St… Increvemo-nos para aproveitar o preço de sócio para a festa da Passagem de Ano. A partir daí começámos a ir todos fins de semana. Uns dois anos depois já fazia parte da ireção na qualidade de relações públicas. A minha ligação à Casa do Benfica durou 14 anos onde tive diferentes cargos, inclusivamente fui presidente durante um ano.

R.A.: É nessa altura que é criada a A.C.A.P.O. e a Semana de Portugal?
J.R.: Num dos anos em que era novamente relações públicas, pediram-me para ir a uma primeira reunião onde se ia falar em fazer uma organização que realizasse a Semana de Portugal. O grupo de pessoas que marcou a reunião era liderado pelo Martinho Silva, que teve a ideia. Depois de várias reuniões e sem haver direção conseguimos realizar a primeira Semana de Portugal em 1988. Como correu bem, decidimos então dar um nome, uma direção, uma estrutura e estatutos à organização. Assim foi criada a Aliança de Clubes e Associações Portuguesa de Ontário, e eu fui o primeiro Presidente. No ano a seguir fui Presidente do Concelho dos Presidentes. Aliás esta prática foi uma norma. Hoje é que não há normas, mas é isso que dizem os estatutos. Para resumir, nos primeiros anos a A.C.A.P.O. funcionou exatamente e lindamente como tínhamos pensado. As contas batiam certinhas e ninguém fazia nada sem haver uma reunião, onde tudo era discutido.

R.A.: Pois bem, hoje temos A.C.A.P.O. e a Parada, mas não temos Semana de Portugal.
J.R.: Pois não. Muita coisa mudou forçosamente. Já no meu tempo tínhamos problemas de respostas dos presidentes membros, tanto que, quando havia uma reunião do Concelho marcada, já tínhamos começado a fazer “lobbying” antes da reunião para que no dia tivessemos o apoio dos clubes. Isto é a pura realidade. Na altura não havia tantos clubes como há hoje. Até chegar o José Maria Eustáquio houve muitos presidentes. Começou por mim, depois tivemos o Domingos Marques, o Brito Fialho, o Victor Sousa, o Manuel Carvalho e o Álvaro Ruivo.
M.R.: Eu fiz parte da direção do José Eustáquio durante dois anos e saí por questões pessoais que eram incompatíveis com o meu voluntariado na Aliança.

R.A.: Acha que a A.C.A.P.O. tem futuro?
J.R.: Neste momento não acho. Depois do José Eustáquio não vejo ninguém que possa ocupar o lugar dele e fazer o que ele fez e por muitas razões. O José teve a possibilidade de trabalhar no seu emprego e simultaneamente a disponibilidade para se dedicar à Aliança. Isto não é para ofender ninguém, mas pessoalmente a Semana de Portugal de 2018 não teve nada a ver com o que a comunidade estava habituada. Sei que criticar é fácil e todos criticamos. Resolver os problemas é mais difícil e o José sabe muito bem as dificuldades que tinha em organizar, portanto ninguém vai querer ocupar o lugar dele. Porém se houver alguém disposto, vai ter que começar da estaca zero, como se estes anos não tivessem existido. Provavelmente até é isso que vai acontecer porque a Aliança nunca esteve tão mal. Está a perder a credibilidade. Os clubes que estão ligados à Aliança também não mudaram de atitude durante estes anos todos. Se na altura não havia a boa vontade de ajudar a Aliança, hoje mantem-se tudo na mesma. Dos clubes ouve-se muita coisa, mas ninguém quer assumir nada, não querem ter responsabilidades.

R.A.: E a sua passagem pela FPCBP (Federação de Empresário e Profissionais Luso-Canadianos) foi quando?
J.R.: Foi antes da A.C.A.P.O. através de amizades que fui fazendo e os contactos dos meus clientes da Blue Pages. O Armindo Silva, fundador da Federação, o Luis Arruda e o José Amorim é que “me levaram” para lá, onde fui secretário.

R.A.: Na sua opinião a FPCBP ainda faz sentido?
J.R.: A Federação é uma instituição importante mas nunca foi aproveitada ao seu expoente máximo, relativamente a trazer vantagens à comunidade, por falta de interesse dos comerciantes que nunca se quiseram unir à Federação. Felizmente, a Federação continua a dar as bolsas de estudos na sua Gala Anual. Na altura era a única instituição a fazê-lo.

R.A.: Qual é a sua opinião sobre o que se passa na nossa comunidade?
J.R.: A minha opinião é baseada no que tenho vindo a observar diariamente e que é que, a nossa comunidade está em transição de tal maneira que daqui a 10 anos vamos perguntar “o que é que aconteceu à nossa comunidade?”, porque vai estar totalmente diferente do que conhecemos hoje. Basta comparar como a comunidade era há 10 anos e como ela é hoje, as mudanças foram muitas, mas daqui a 10 anos vão ser muito mais. Antigamente havia concentrações de portugueses e essas áreas estão a desaparecer… Começou pela Augusta Ave., depois foi a Dundas St. e a College St.. Neste momento ainda temos a St. Clair Ave e a Rogers Rd., mas é uma questão de tempo até desaparecerem. Os jovens vão comprar casa fora de Toronto porque são mais baratas e assim a comunidade vai ficar mais dispersa. Da mesma maneira que a Blue Guia, as revistas, os jornais e as rádios vão mudar da forma que conhecemos dentro de poucos anos. Nós temos que nos adaptar às mudanças que estão a chegar, senão ficamos para trás. Eu já vejo o jornal Milénio e a Revista Amar online, mas muitos da minha faixa etária não entendem que as mudanças são uma realidade. Depois temos os jovens comerciantes, que apesar de terem já uma mentalidade virada para o futuro acham, no geral e na minha opinião erradamente, que não precisam dos portugueses.

R.A.: Pode-se dizer que são um casal com vida social ativa na nossa comunidade?
M.R.: Sim e posso dizer que tenho hoje uma vida social melhor do que tinha antigamente. Nós começámos a nossa vida social nos clubes com ambiente familiar onde pudessemos levar a nossa filha e mais tarde o nosso filho para dar descanso à minha mãe no fim de semana. Facto é que foram mais de 10 anos a frequentar a Casa do Benfica, por volta de 10 anos envolvidos de uma maneira ou outra na Aliança e quatro anos na direção da Abrigo, o que cansa. Já dei o meu contributo à comunidade e agora é a vez de outros, apesar de atualmente ainda estar envolvida no Portugal Wine Club, porque agora eu escolho onde quero fazer voluntariado, porque acho que devo contribuir, mas sem aquelas responsabilidades que já tive. Sempre acompanhámos de perto a Semana de Portugal e fomos aos jantares da Aliança independente de quem era o presidente. Gosto muito de ir a uma festa de vez em quando, gosto de ir a uma noite de fados quer nos clubes de Toronto ou ao Club de Mississauga. Foi nos clubes que frequentávamos que fizemos grandes amizades com alguns casais com quem hoje prefiro jantar, em casa ou fora. A nossa vida social mudou, mas para mim é muito mais saudável. O meu envolvimento comunitário foi para estar perto do meu marido ou então ficava em casa, tive o privilégio de ter a minha mãe a viver comigo, que me ajudou imenso ao tomar conta das crianças para que eu pudesse acompanhar o Jorge. Nós agora fazemos só o que nos agrada com a nossa família e amigos mais chegados. Tenho grandes memórias da minha vida social nos clubes e da Aliança, mas os tempos são outros. Tudo tem o seu tempo e agora é a vez dos jovens.
J.R.: O problema é que os jovens não se querem envolver.

R.A.: Celebram brevemente o vosso 47º Aniversário. Qual é o segredo de um casamento duradouro?
M.R.: Ah!!! Muita paciência, respeitando o espaço um do outro, respeitar as opiniões e chegar a acordo, tem que haver confiança… O amor é muito importante, mas sem confiança o amor não resiste. E há que aceitar e amar a outra pessoa pelo que ela é. Hoje em dia não é tão fácil. As gerações mais novas já não têm o mesmo sentido de responsabilidade.

R.A.: Se pudessem recuar no tempo, fariam tudo de novo?
J.R.: Sim. Eu sou feliz com a vida que tenho, com o meu casamento, temos grandes e boas recordações, momentos inesquecíveis, dois filhos e 4 netos, o balanço é positivo.
M.R.: Sim. O Jorge e eu casámos por amor. Nós até podemos olhar para trás e dizer “sabíamos nós lá o que estávamos a fazer”, mas na altura era assim que as coisas aconteciam e tínhamos muita maturidade com apenas 21 anos. Contudo, costumo dizer que nós crescemos juntos. Nós temos muitas coisas em comum… somos filhos únicos e não temos uma família muito grande e por isso fomos sempre o “centro” das nossas famílias. Gostamos de nos divertir, viajar, passear e socializar.

R.A.: Gostaria de vos convidar a deixar uma mensagem ao leitores da Revista Amar.
J.R.: A mensagem é a seguinte, desejo que todos os lusófonos que tenham a possibilidade de ler a Revista Amar deem o seu contributo, direto ou indiretamente, porque sem dúvida nenhuma é uma revista que orgulha quem a pode ler, orgulha a nossa comunidade e orgulha os patrocinadores que veem o seu anúncio ser publicado numa revista com muita qualidade e requinte. Acarinhem o que temos de melhor na nossa comunidade, porque se não acarinharmos trabalhos como estes vão ser perdidos, e quem fica a perder somos todos nós.
M.R.: Eu faço minhas as palavras do Jorge, porque de facto é uma revista digna de se ter, com uma qualidade excecional de impressão, de gráfica e de conteúdos. É um prazer ler a revista e um orgulho por a termos na nossa comunidade.

Fotografia: gentilmente cedidas por Jorge Ribeiro

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