Heróis nacionais improváveis: Travessias por mar, por terra e por ar…
HistóriaPortugal

Heróis nacionais improváveis: Travessias por mar, por terra e por ar…

gago coutinho sacadura cabral - revista amar

 

Em tempos de putativos heróis nacionais, que significado têm os feitos dos portugueses com menos divulgação mediática?

Sem alinhar em nenhuma polémica estéril, como a que ocorreu durante o mundial do Qatar, em que o dissecar de estatísticas sobre os feitos individuais dos mais diversos protagonistas do desporto rei, geraram um debate apaixonante e inócuo, que lugar tem nesta discussão, o feito de Joaquim Batista Pereira, o primeiro português a atravessar o Canal da Mancha a nado, em águas abertas.

 

 

Esse feito do nadador português, alhandrense, ocorreu no dia 21 de agosto de 1954, aquando da clássica prova da qual, para espanto de todos, saiu vencedor. Foi um dos maiores feitos desportivos portugueses até essa data.
A população de Alhandra recebeu-o em festa. Em sinal de gratidão para com o seu conterrâneo, construíram-lhe e ofereceram-lhe uma casa onde ele habitou com a sua família. Este ponto alto é o culminar de um vasto palmarés deste nadador de excelência.

Joaquim Baptista Pereira revolucionou a natação competitiva em Portugal, na piscina e no rio, não dando hipóteses aos adversários, tendo batido os recordes nacionais dos 200, 400, 500, 800, 1000 e 1500 metros livres.
Deixada a natação de piscina, a força e a paixão do grande atleta levaram-no às maiores façanhas no mar e no rio, que culminaram na vitória da travessia do Canal da Mancha. Bateu também os recordes da Travessia do Estreito de Gibraltar, em 25 de outubro de 1953 e em 22 de setembro de 1956 e o recorde da Europa, de distância e permanência na água. Pela primeira vez na história do desporto português, um atleta foi notícia em jornais e revistas a nível internacional. A sua vida dura, imortalizou-a Soeiro Pereira Gomes, no romance Esteiros, ao criar a personagem “Gineto”, que contava a história das crianças obrigadas a trabalhar nos telhais da vila à beira do Tejo.

 

joao garcia - revista amar

joao garcia - revista amar
João Garcia na chegada ao cume do Kangchenjunga | Nepal – Índia 2006
joao garcia - revista amar
Campo de base do Manaslu | Nepal

 

Em 11 de junho de 1967, nascia em Lisboa, João Garcia, o conceituado alpinista levou literalmente a bandeira portuguesa aos mais altos cumes do planeta. O próprio afirma que “Após muitos anos de alpinismo e exploração, apercebo-me de que faço parte de um grupo de Homens que vivem os seus sonhos de forma intensa, pois só assim nos sentimos vivos…”

Uma verdadeira lição de coragem, determinação e arrojo no alcançar do inalcançável, para este alpinista de elite. A 17 de abril de 2010, João Garcia tornou-se o décimo alpinista da história a escalar todas as 14 montanhas com mais de 8000 metros, sem o auxílio de oxigénio artificial nem carregadores de altitude.

O seu projeto “À conquista dos Picos do Mundo” (que foi patrocinado pelo Millennium BCP desde 2006), foi concluído 17 anos após o seu início, em 1993. João Garcia abalançou-se a outros projetos, escalar os cumes mais altos nos seis continentes. Esse projeto foi denominado de “Sete Cumes”, onde a Antártida entra na lista e a América encontra-se dividida em América do Norte e América do Sul. Alcançou em 1999, o Monte Everest, 8849 metros, Nepal na Ásia e derradeiro cume, o Monte Kosciuszko, 2228 metros, Austrália, Oceânia alcançado no ano 2010.

Num passeio à beira rio, em Belém, podemos cruzar-nos com uma réplica do hidroavião de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, monumento comemorativo da travessia do atlântico sul, em março de 1922, uma proeza da aeronáutica portuguesa ímpar.

Na “Mensagem de Lisboa”, Ferreira Fernandes na sua rubrica, “Um ponto é tudo” questiona:
“Como foi possível, no dia 30 de março de 2022, às 7 da manhã, ao lado da Torre de Belém, não ter havido povo nem festa, nem uma semente de gratidão e orgulho por esta Travessia?”

 

gago coutinho sacadura cabral - belem - revista amar

 

Os primeiros preparativos para a Travessia Aérea do Atlântico Sul, sem rede tiveram lugar no ano de 1919, por ocasião da visita do Presidente do Brasil a Portugal, Epitácio Pessoa. Sacadura Cabral sugeriu a ideia de comemorar o primeiro centenário da independência do Brasil, em 1922, realizando uma viagem aérea entre Lisboa e o Rio de Janeiro.

Com efeito, para que esta façanha aérea pudesse ser concretizada, seria necessário criar-se um método de navegação que permitisse pilotar a aeronave com precisão sobre a imensidão do oceano Atlântico. Voltámos aos instrumentos de navegação astronómica, agora os novos navegadores não sulcavam os mares, sobrevoavam a baixa altitude o imenso oceano. Um instrumento precioso para o sucesso dessa travessia inédita foi o sextante. Gago Coutinho adaptou ao sextante um horizonte artificial e desenvolveu em colaboração com Sacadura Cabral, o corretor de rumos, que permitia calcular graficamente o ângulo entre o eixo longitudinal da aeronave e a rota a seguir, considerando a intensidade e direção do vento, a deriva. Este método de navegação foi testado numa viagem entre Lisboa e a ilha da Madeira em 1921, tendo demonstrado a precisão destes inovadores instrumentos.

A 30 de março de 1922, às 7 horas da manhã, deu-se início à primeira travessia aérea do Atlântico Sul, tendo como protagonistas o Almirante Gago Coutinho e o Comandante Sacadura Cabral, a bordo do hidroavião Fairey F IIID MkII, batizado “Lusitânia” rumo ao Rio de Janeiro. Era só um hidroavião, mas era mais do que ele, tinha por roteiro um destino: por ares nunca antes navegados.

 

gago coutinho sacadura cabral - belem - revista amar gago coutinho sacadura cabral - belem - revista amar

 

A viagem foi bastante atribulada; foram utilizadas três aeronaves (a Lusitânia, a Portugal e a Santa Cruz). Após percorridos as 4527 milhas em 62 horas e 26 minutos, os heroicos oficiais foram recebidos em festa pela população do Rio de Janeiro, a 17 de junho de 1922. Estes dois portugueses destemidos tinham concluído a primeira travessia aérea do Atlântico Sul com êxito.

Uma homenagem justa a portugueses de excelência, por vezes esquecidos pela memória coletiva de um povo. Como escreveu Henrique Lopes de Mendonça:

Heróis do mar, nobre povo
Nação valente e imortal
Levantai hoje de novo
O esplendor de Portugal!
Entre as brumas da memória (…)
Sobre a terra, sobre o mar (…)

Carlos Cruchinho

Bibliografia consultada:
Distinção Baptista Pereira (cm-vfxira.pt)
Baptista Pereira – Uma vida de luta e dignidade | Partido Comunista Português (pcp.pt)
Joao Garcia • Alpinista
Comissão Cultural de Marinha

Redes Sociais - Comentários

Botão Voltar ao Topo