Valério Romão: Cair para Dentro
Autor Português

Valério Romão: Cair para Dentro

revista amar - Valério Romão
Créditos: Direitos Reservados

 

Valério Romão – até quando a memória assombra, o francês de 1974. O francês instigado pelos sentidos e sentires, com casas simples e janelas escancaradas olhos adentro, com gentes várias dentro do peito. Os bons pertencem ao lado floral da vida. Um autor maduro, encantador de histórias, tão verdade que se torna impossível não ser amor.

 

Sinopse

Eugénia, a filha, não foi educada para ser um adulto independente e, embora seja professora universitária, a mãe controla o seu dinheiro, o seu tempo, proibindo-a até de ter telemóvel. Quando Virgínia começa a desenvolver sintomas de demência, Eugénia vê-se obrigada, deixando aquela infância artificial construída pela sua mãe, a crescer e a cuidar de todos os aspectos práticos da vida de ambas. Até descobrir que, no estado em que a mãe se encontra, a vingança é uma possibilidade.

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Com mãos

“A mãe levou uns bons quinze dias a aceitar que ele se tinha ido embora. Quando o fez, naufragou no sofá de pele e chorou um dia inteiro, vindo à superfície apenas para poisar os olhos na acne da parede, filigrana de areia e geografia de bolor onde eu sabia que ela o divisava, em jeito de projeção unipessoal caseira, contentinha na pobreza de interromper a realidade com as coisas que os olhos põem nas coisas que os olhos querem ver.” – Valério Romão, in “Cair para Dentro”.

Depois do estado cru lírico da obra “Da Família”, lançada pela Abysmo em 2014, um dos mais enobrecidos autores da atualidade, regressa à labuta literária com “Cair para Dentro”, pelos abraços e corpo inteiro da mesma editora. É fulcral inventar de novo as páginas em branco, semear a criatividade, descer ao fundo do poço material. O azul do céu aplaude e inclina-se para a genialidade. A queda extraordinária ao interior perverso de um registo absoluto, infalível em qualquer estante.

“Eugénia, porque não está a dormir, e que faz aqui o avô consigo na sala, e o televisor, porque está ligado, responda-me Eugénia, responda-me, e a menina, trôpega nas palavras, que o avô tinha entrado em casa há bocado, que lhe abrira a porta da dispensa, e ela, acordando com a luz, ali o tinha, árvore torta florescendo em sorriso, e estava com medo mamã, ele não respondia, então peguei-lhe a mão e viemos até aqui à sala, ver a neve a cair no aparelho, mas não a queríamos acordar, desculpe, desculpe.” – Valério Romão, in “Cair para Dentro”.

A escrita sumptuosa de Valério Romão, transporta-nos para uma realidade que não esta – o adorável fluir de um grande fazedor de vidas, ou além disso. O género sublime, por vezes animalesco, fora do gosto comum, trabalha comparável a carros excitados em hora de ponta, sempre em revista de um lugar peculiar; a não corporificação e comprimento dos estacionamentos enfaixados. Não há limites para a capacidade de criar, ou para o que está certo ou errado. Conceitos que caminham para lá da tradicionalidade familiar. Mentes que saltam muros e dilemas. A rutura é a libertação viva e nunca o rompimento ferido.

Há impulsionadores que se fazem à caneta e perpetuam o sonho da terra. Valério Romão é um desses impulsionadores.

André Marques

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