O bonito Fato de Lavradeira, foi um fato usado exclusivamente pelas gentes do meio rural, não eram usados pela burguesia, nem pelos residentes da cidade.
Em Viana-do-Castelo, quando se fala em de “Traje à Lavradeira”, sem especificação alguma, entende-se em geral o «vermelho» das lavradeiras de Santa Marta de Portuzelo (na qual há também um belo «traje azul»), o vermelho mais usado em Areosa não só por ser aquele o vestuário o que mais agrada ao comum dos habitantes, pelo seu colorido quente e variado, mas ainda por ser o que a indústria caseira e o comércio local mais espalham na região, cada rapariga fazia o seu fato, tinham chieira, (no dicionário minhoto, corresponde a vaidade), o traje vermelho ou azul são indistintamente usados pelas raparigas, mas quando casam quase sempre dizem adeus ao vermelho e passam a usar só o azul, quando se querem vestir de lavradeira, só usavam vermelho as solteiras, logo que ficavam noivas a historia mudava, passavam a usar o azul, são as duas cores do traje a vianesa, depois veio outras cores por localidade, por exemplo o verde das terras de Geraz do Lima, é uma zona vínica e então as raparigas para se sentirem diferentes passaram a fazer os fatos em verde.
Em viana era assim e durou muito tempo as raparigas eram senhoras mas sabiam defender-se em tudo e sempre muito respeitadas, antigamente quando era divulgado o noivado, e nunca antes para se livrar de humilhação ou falatório se o casamento se desfizesse, a noiva dirigia-se à cidade “botar o ouro”, acompanhada pelos seus futuros sogros. Eram eles que ofereciam aquela que iria ser nora uma designada quantidade de ouro, correspondente às suas possibilidades económicas, era um luxo aí se via a diferença as famílias senhoriais se a rapariga fosse humilde, como no minho são conhecidas, honestas e de pelo na benta, uma senhora no minho tanto dá um beijo e um abraço como vira as costas da mão e manda uma chapada seja em quem for, a chieira era tanta que no primeiro domingo após o ritual do botar ouro, a noiva ia à Missa, exibindo o ouro oferecido, e vestindo o traje de lavradeira. Facilmente se detectava uma noiva pelos seus adornos e trajar.
Quando me foi pedido uma breve historia do traje à Vianesa lembrei-me do meu grande amigo Dr. Francisco Sampaio com quem aprendi muito e, muita pena não poder passar mais tempo com ele, Sr. Mestre da etnografia e do folclore do Minho, como outros grandes Vianenses que sempre defenderam as tradições, tais como Pedro Homem de Melo e do saudoso Amadeu Costa, homens com sabedoria e lutadores pela preservação das tradições com qualidade, pena que por estas bandas as coisas andarem mal entregues e a falar-se do que não se sabe.
Para quem não sabe Dr. Francisco Sampaio é sobejamente conhecido pelo seu trabalho em prol da defesa das tradições populares minhotas, doutorado em história e, por isso mesmo e pela qualidade do mesmo o texto que vos apresento o que é da sua autoria – Tudo sobre Viana do Castelo.
Neste texto demonstra-se a importância do ouro no traje minhoto.
Então é assim…
Então é assim;
Trazer ouro no pescoço
Brinquinhos a dar a dar
É bonita gosto dela
Tem olhos de namorar.
Francisco Sampaio
Ouro e Traje
Uma homenagem à mulher e às moçoilas de Viana
Foi o Traje “à Vianesa” o grande responsável pela riqueza dos enfeites, das filigranas, das jóias tradicionais e onde a mulher de Viana se sente como ninguém ao fazer do seu “peito” uma mostra de bom gosto e de bem trajar.
Assim, a rapariga de Viana no seu traje de trabalho ou de cotio, nas lides domésticas ou no trabalho do campo não se sente “ourada” quando usa brincos e colar de contas. O subterfúgio da “orelha ferida” ou o epiteto de “fanada” era o mínimo que se podia dizer de uma rapariga sem brincos!
No “traje de domingar” e já a fazer “versos” nos lenços de amor usa o primeiro “cordão”, que lhe concede o estatuto de rapariga namoradeira. O mesmo se passa com o traje de ir à feira.
Só o “traje de festa”, também designado por “traje de luxo” é que “obriga” a rapariga a aparecer “ourada”. E isto significa, quando são mordomas, a aquisição do segundo cordão com “peças” (medalhas de libra ou meia libra), borboletas (corações invertidos), a “laça”, os brincos “à rainha”, a pregadeira das “três libras”, “Santa Custódia” ou “Brasileira” a lembrar os tempos de emigração.
O Traje de Noiva – obriga ao terceiro cordão, oferta do noivo – um cordão grosso, a “soga”, um cordão “de bom cair” pelo seu muito peso, ao trancelim.
O Traje de Morgada – sinónimo de casa farta, boa lavoura, criadagem, tulha cheia, soalhos encerados e o cheiro a mosto das adegas. Uma só jóia na casaquinha justa – a gramalheira / grilhão / bicha. Gramalheira – por se assemelhar a uma corrente grossa usada para suspender os potes de três pernas da lareira; grilhão – pela sua analogia com as correntes metálicas; bicha – pela semelhança da parte do colar a uma cobra com escamas.
A união do colar – ao centro com chapas de ouro lisas e geometricamente recortadas – faz-se com uma roseta em relevo com pedras. Dos braços laterais caem franjas e, ao centro, o medalhão que pode atingir 20 centímetros com os mais variados motivos folclóricos.
Em termos de conclusão podemos afirmar que o Traje e o Ouro à Vianesa estão padronizados a partir do 2º quartel do Séc. XIX, altura em que os regionalismos, no Portugal liberal, se definiam.
A Montra de Oiro de uma Lavradeira
Escolhemos da Montra de Oiro de uma Lavradeira (no dizer do Tenente Afonso do Paço), as seguintes jóias:
Arrecadas de Viana – Castrejas (as complexas arrecadas como as de Laúndos, Afife e Estela) – Com a sua “janela”, ou “pelicano” ou “bambolina” na sua forma lunular com as respectivas campainhas, sempre em número ímpar, e que têm a virtude
de afastar espíritos maléficos.
Argolas – (Castrejas) – Também, chamadas barrocas, carretilha, a cigana, de Leque (com ou sem turquesas), torcidas, regueifa (com um torcido a imitar o pão de regueifa), indianas (de canovão relativamente fino, de suspensão em gancho ou com fio de suspensão ao correr da curvatura), carniceiras ou de Barcelos.
Colares de Contas – (produzidas pela civilização grega, etrusca e fenícia e que os castrejos, também, adoptaram). As contas vianesas ou os colares de contas de Viana assemelham-se às etruscas. As primeiras contas eram maciças; mais tarde é que passaram a ser ocas. O colar de contas é adquirido pela jovem alto minhota à custa das poucas economias que provinham da venda dos ovos, dos frangos ou das primícias da horta. É usado com uma pendureza, normalmente, uma borboleta, uma cruz de canovão raiada ou uma custódia. Toda a vida.
Brincos à Rainha ou à “Vianesa” ou “Picadinhos” – São compostos por duas peças, tal como a laça. É do período Rocaille e, pertence pelos ornatos, à chamada gramática de D. Maria I. São, também, amuletos, desenhando formas arredondadas e curvílineas. Quais arrecadas laminares, articuladas por argolins de ouro, recortadas ou vazadas, parecem feitos de renda.
Cordões – são fios com dois metros, ou mais, para assim se conseguirem quatro voltas no pescoço. O cordão era o terceiro ouro da rapariga, logo a seguir às arrecadas e ao colar de contas. Conforme a textura dos elos podem ser “sogas” (mais grossos) ou apelidados de “linhas” (mais finos). A lavradeira nunca usa o cordão oco.
Peças/Moedas/Medalhas de Imitação – usadas como ornamento desde os Romanos: são muito correntes os alfinetes com moedas de ouro. As peças são moedas autênticas embelezadas com cercaduras chamadas “encastoamentos”; a medalha de imitação é muito semelhante à peça, diferenciando-se pela moeda que é de imitação e pelo “encastoado” que para se distinguir da verdadeira apresenta tamanho inferior e acabamento menos perfeito.
Memórias – São peças ocas, de abrir, de diferentes tamanhos e formas diversas, podendo ser ovais, redondas, quadradas, com feitio de losango, de corações. Exprimem quase sempre uma saudade, encerrando em cofre uma madeixa de cabelo, um fragmento de vestido, uma pequena frase ou simples letras, uma breve oração, uma fotografia, constituindo terna recordação.
Cruzes – peças que se apresentam com variadíssimos formatos:
a) as fundidas com resplendor (na parte superior) que são cruzes maciças e acabadas manualmente. Têm na parte superior e em redor dos braços, um resplendor e, na parte inferior, uma “Mater Dolorosa” ou uma Senhora da Conceição.
b) Cruzes de “canovão” e filigrana – têm resplendor em filigrana, “rodilhões” e na parte inferior a “Mater Dolorosa” ou Senhora da Conceição.
c) Cruzes barrocas – são ocas, apresentando os braços bojudos e muitos motivos florais em relevo.
d) Cruzes de estrelas ou de Malta têm as linhas da Cruz de Malta, filigranada, guarnecidas com curiosos esmaltes.
Laça – Jóia de intervenção real, depois, popularizada. Formada por duas peças. Foi atribuída a D. Maria Ana de Áustria, a célebre “laça das esmeraldas”. É a primeira jóia verdadeira do Minho, constituída por uma laçada dupla e decoração de fios enrolados, podendo ter um diamante ao centro. O seu nome provem da argola que tem por trás para ser usada com uma fita de seda. Mais tarde, tomaram a forma que tem hoje – coração invertido.
Custódia – Também, chamada relicário, “questódia”, “lábia”, “brasileira”. O nome provém da semelhança na parte central com os expositores do “Santíssimo” ou “Ostensórios”.
Coração – Oferta de D. Maria I como ex-voto ao Coração de Jesus para ter um filho varão. Assim, nasce a Basílica da Estrela. Coração que enche o peito das nossas mulheres e raparigas no Traje à Vianesa. Coração com que D. Maria I manda timbrar as grandes condecorações nacionais: as Ordens de Cristo, Avis e Santiago.
Tancelim – só deve ser adquirida depois da Lavradeira ter o segundo ou terceiro cordão. É uma peça muito trabalhada de trazer ao pescoço e da qual se suspendem medalhas ou “pendurezas” a distinguir: a borboleta, a custódia, o crucifixo, o coração opado, a laça, a peça ou a medalha. Os trancelins têm o mesmo cumprimento que os cordões, mas os seus elos são trabalhados, normalmente, em filigrana. Conforme o formato, são designados de trancelins de losangos, de lampião e de rodilhão.
Grilhão/Gramalheira/Bicha – Constituído por um colar tecido de finíssimo fio de ouro, chapas recortadas e perfuradas. A união do colar faz-se com uma roseta em relevo. Ao centro, existe um medalhão ornado com motivos florais. Uma das mais bonitas peças – a mais “requintada” e a mais “obrada” e com um significado de abastança do lar minhoto. Jóia que significa a apoteose do Ouro do Minho.
Bibliografia
Francisco Sampaio,
O Ouro do Minho – O Ouro de Viana,
catálogo do Cortejo Etno-Folclórico da Romaria da Senhora d’Agonia, Viana do Castelo, 2006.
Augusto Bandeira
Composição do Traje de Lavradeira
Sobre a alva camisa bordada de azul, nos punhos, nas frentes e nos ombros, a mulher minhota enverga um colete que exerce a função de espartilho. Os cortes vincam as formas do corpo, a altura do colete e a amplitude das cavas atribuem-lhe grande comodidade, pois permite um melhor movimento dos braços. Por outro lado, a orla do colete segue a linha do diafragma, favorecendo a respiração. O colete é profusamente decorado por bordados policromáticos de gosto barroco. A saia, rodada e de grande amplitude, é marcada por uma larga barra bordada com os mesmos motivos silvestres e românticos do colete. O avental franzido é decorado com “puxados” que recriam um magnífico jardim em relevo. A algibeira reforça a beleza da mulher com a sua forma de coração, tendo como utilização prática o transporte de dinheiro e do lenço.
Traje domingueiro masculino
(finais do século XIX)
Composto por calça, camisa e jaqueta. A camisa branca é decorada com bordados tradicionais minhotos, com motivos amorosos. A cor vermelha da faixa e dos bordados confere ao conjunto uma certa alegria, uma vez que todo o traje é negro. O preto é sinónimo de austeridade, pelo que os trajes de “ver a Deus”, utilizados para ir à missa, são dessa cor. O preto confere ainda severidade e sofrimento, já que simboliza o luto profundo e prolongado.
Texto da composição dos trajes retirado do blog de: Carlos Alexandre Cardoso
Nota:
Em viana a maior parte não usa colete, simplesmente camisa bordada para mostrar os versos de amor que as namoradas ou familiares bordavam para eles, o uso da faixa tinha uma forma nas festas, domingos e quando se ia namorar, (com uma parte da faixa caída pela perna abaixo), e outra quando iam para o campo ou nos dias de feira, (bem apertada para segurar as calças, não havia cintos).
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