Ousar dizer “não”
Psicologia

Ousar dizer “não”

Quantas vezes já deu por si a dizer que sim a algo que realmente não aceita nem quer?
Quantas vezes prescindiu de dizer um não ao outro, negando-se a si próprio, para garantir “ser aceite”, mantendo-se no medo da rejeição ou no movimento de querer agradar?

Acontece que pessoas que têm dificuldade de dizer esta palavra de apenas três letras, acabam por se colocar em situações com consequências desagradáveis, como por exemplo aceitar dois jantares numa mesma noite, marcar cinco reuniões numa manhã, abster-se de dar uma opinião pessoal que poderia mudar o rumo de um projeto.

Vejamos, ao dizer um ”sim” ou um ”não”, idealmente, referimo-nos apenas ao objeto aprovado e não á pessoa em si. No entanto, tendemos a cair no erro de considerar estas palavras a um nível mais pessoal e acabamos por nutrir sentimentos de rejeição, desmerecimento das próprias necessidades, desrespeito próprio, falta de autoestima, insegurança, entre outros.

Revista Amar - Ousar dizer “não” - Portugal - psicologia
Créditos: Adrian Swancar

 

O sentimento de pertença

Pertença, fazer parte, ter relação, é algo muito forte que nos rege desde que nascemos. Cada pessoa que nasce é vinculada a um sistema, logo necessita ser reconhecida como membro integrante e respeitada no seu lugar e papel dentro desse mesmo sistema, neste caso a família.

Segundo Bert Hellinger, psicoterapeuta alemão, criador das Constelações sistémicas, o pertencimento é uma das ordens do amor e é na família que o pertencimento se mostra de maneira mais poderosa. Assim, pertencer é, antes de mais, um sentimento natural, uma necessidade de qualquer ser humano, independentemente do contexto.

Imagine que está numa reunião familiar onde é preciso a sua opinião para chegaram a um consenso. Você tem uma opinião muito clara sobre o assunto, no entanto, hesita, e acaba encerrado numa divisão interna que o impele para o caminho mais “confortável” do politicamente correto, revalidando a aceitação do grupo.

Um “sim” doente

Para algumas pessoas, lidar com situações de conflito é demasiado perturbador, pelo que, preferem dizer sim a tudo, evitando o confronto com determinadas situações que requerem auto afirmação, responsabilidade e maturidade. No entanto, gradualmente, vão desenvolvendo, um conflito emocional interno que se materializa, a cada vez, num estado desagradável de agitação interior.

As perturbações depressivas ou ansiosas estão muitas vezes associadas a dificuldades de autodefinição. O facto de as pessoas persistirem durante longos períodos nesta preocupação em agradar a todos os que estão à sua volta, acabam, consequentemente por se anular a si próprias.

De acordo com o DSM-V as perturbações de ansiedade incluem transtornos que compartilham características de medo e ansiedade excessivos, e perturbações comportamentais relacionadas. Medo é a resposta emocional, a ameaça iminente real ou percebida, enquanto ansiedade é a antecipação de ameaça futura.

A sobrecarga de stress mantém-nos presos a estados prejudiciais da mente e do corpo, podendo impedir o bom funcionamento do sistema imunológico, respiratório, digestivo e outros.
Os transtornos de ansiedade e/ou depressão, prejudicam a saúde física e mental.

Perante um transtorno de ansiedade, tendemos a evitar determinadas situações, lugares, pessoas ou ambientes que podem exacerbar a resposta ansiosa e incapacitante. Isso pode dificultar a rotina e impedir realizar algo desejado.
Stephen Gilligan, psicoterapeuta doutorado em Stanford, num dos seus livros “The Courage to Love”, chama-nos a atenção para aquilo que a pessoa faz ao tentar livrar-se dos seus sintomas e que o obriga a ficar na doença.
O problema não é a pessoa dizer “sim”, mas quando a frequência do sim se torna inversamente proporciona.

Assertividade ou auto afirmação

A palavra assertividade deriva de “asserto”, que significa uma proposição decisiva.
Assertividade é uma competência emocional que determina que um indivíduo consegue tomar uma posição clara, ou seja, não fica na indecisão, no nublado.

Assertividade não significa que uma pessoa está certa ou errada, mas indica que a pessoa anuncia e defende as suas ideias com vigor e respeito pelo outro.

Quando sou assertivo pratico a auto afirmação e imponho os meus limites. Sou eu mesmo, sem medo de magoar os outros. Acima de tudo, consigo ter em conta tanto as minhas necessidades, como as dos outros.

De acordo com a psicologia comportamental, uma pessoa assertiva age de modo seguro e confiante, ou seja, trata-se de um indivíduo que está certo de suas ações, atitudes e comportamentos.

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Como atua a psicoterapia cognitivo-comportamental integrativa?

Sabia que é possível encontrarmos uma forma no nosso dia a dia de nos sentirmos bem connosco, posicionando-nos ao mesmo tempo perante os outros, mesmo que isso signifique dizer não?

Em primeiro lugar, é preciso que a pessoa queira intrinsecamente mudar esse comportamento. Após a mentalização, é ir passo a passo. Quanto mais o “não” for praticado em pequenas coisas, mais facilmente, através da repetição, a pessoa começa a experimentar um posicionamento mais alinhado consigo, perante as situações.
A psicoterapia atua tanto na dimensão intrapessoal, como na interpessoal, através do treino de competências emocionais, de competências sociais e comportamentais.

Destaca-se o treino de competências emocionais trabalha-se o desenvolvimento do auto conceito, de uma forma simples, como a perceção que o indivíduo tem de si próprio e o conceito que, devido a isso, forma de si.
O autoconceito desempenha, assim, um papel significativo em diversos contextos, particularmente na prática clínica. Encontra-se intimamente relacionado não só com outros conceitos psicológicos relevantes, como com numerosos fenómenos de natureza da psicopatologia.

Conhecermo-nos a nós mesmos ajuda-nos a tomar decisões com maior clareza, a pensar de forma mais confiante e a saber o que devemos fazer em cada situação.

A consciência da nossa identidade torna a nossa vida mais simples e facilita os nossos relacionamentos interpessoais e intergrupais.

Em resumo, ter objetivos comuns, trabalhar pensando coletivamente e pensar nas outras pessoas é importante. Porém, é muito importante priorizar as suas próprias necessidades e não se sacrificar por tarefas que, na realidade, não são suas.

Segundo António Damásio apelidado por alguns como o “neurocientista das emoções”, decidir exige esforço e o processo de escolha está longe de ser uma análise racional, pois implica experiências passadas, com um caminho emocional na pessoa, evocando emoções e sentimentos que influenciam a tomada de decisão.

Dizer não faz parte do amadurecimento de todo ser humano e demonstra amadurecimento emocional. Tomar decisões é um processo de amadurecimento que se aprende fazendo. Decidir desenvolve e fortalece a nossa liberdade pessoal, independente do medo das opiniões, julgamentos e expectativas dos outros.

Isabel Rebelo

Psicóloga e Hipnoterapeuta

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