Modelos de cuidado Pós-Covid 19
Convertemo-nos numa propriedade coletiva, de uma coletividade que dilui qualquer responsabilidade, de maneira que erámos tão suas que nos tinham esquecidos nos lares, onde morremos sem fazer demasiado ruido e com um certo alívio também coletivo, porque ao fim e ao cabo já estamos amortizadas. Anna Freixas Farré, Gerontóloga, In El País
No país vizinho, já foram iniciadas investigações sobre o sucedido nos lares de idosos. O Conselheiro Alberto Reyero denunciou o abandono a que foram votadas as pessoas idosas institucionalizadas. Um protocolo deu diretrizes para que os hospitais selecionassem quais os idosos dos lares que deveriam ser admitidos de modo a evitar o colapso dos serviços. O documento recomendava que se excluísse um dos grupos mais numeroso, os idosos com grau três de dependência, aqueles que precisam de apoio várias vezes ao dia ou de forma continuada.
Recomendava também que se excluíssem as pessoas com deficiência, institucionalizadas nessas estruturas. Foram noticiados vários casos de cadáveres que não foram retirados das instituições e de ambulâncias que não se deslocavam às instituições para prestarem o devido socorro às pessoas doentes. A Ministra da Defesa, Margarita Robles, revelou que os militares “viram pessoas idosas absolutamente abandonadas, mortas nas suas camas”.
Informação confirmada pelo general Fernando Lopez del Pozo: “Nas residências vimos de tudo. Pessoas que ainda não tinham sido retiradas pelos serviços funerários mais de 24 horas após o falecimento, uma proporção enorme de doentes, falta de pessoal, os profissionais também infetados. Momentos de extrema angústia.”
Na Suécia, que optou por não generalizar o confinamento, a pandemia revelou a marginalização das pessoas idosas. A propagação do covid-19 nas residências para pessoas idosas já foi considerada um escândalo. O epidemiologista Anders Tegnel, arquiteto da estratégia contra o convid-19, rejeita críticas e considera que as numerosas mortes “não são consequência da estratégia adotada mas da forma como protegem os mais velhos”. “Venha o diabo e escolha!” O primeiro-ministro, Stefan Löfven, reconhece: “Devemos admitir que a parte que se ocupa dos cuidados aos idosos, em termos de propagação da infeção, não funcionou. É óbvio. Temos demasiadas pessoas idosas que faleceram.”
No Canadá, Montreal foi o coração da hecatombe. A jornalista Hélène Jouan descreve a situação: “O modo como os idosos são tratados nestas estruturas… Lençóis sujos, pacientes esfomeados, com sede, deixados ao abandono… Irrompe o escândalo sobre as condições de vida em certos estabelecimentos que podem custar cerca de 12 000 dólares por mês aos residentes.”. Especialistas e analistas consideram que “Os lares para as pessoas idosas foram sem dúvida o angulo morto da estratégia de saúde pública.” Há mesmo quem fale de um “genocídio geriátrico”.
Apesar das muitas dificuldades que sentimos, em Portugal, os profissionais das instituições sociais e sanitárias estão de parabéns pela resposta de excelência que deram aos múltiplos desafios colocados pelo coronavírus. Portugal é apontado, com justiça, como um modelo na resposta à pandemia. Devemos sentir-nos orgulhosos pela dedicação, profissionalismo e capacidade de adaptação dos nossos profissionais. A prova viva da nossa capacidade de cooperação, sustentada em valores essenciais para a coesão da sociedade como são a generosidade, o sacrifício, a solidariedade e o esforço.
José Tolentino Mendonça, na sua intervenção, no Dia de Portugal, marcadamente humanista considera que para “reabilitar o pacto comunitário implica robustecer, entre nós, o pacto intergeracional.” E também que “A tempestade provocada pelo Covid19 obriga-nos como comunidade, a refletir sobre a situação dos idosos em Portugal e nesta Europa da qual somos parte.”
Uma das reflexões que considero prioritária centra-se nos modelos de cuidados que queremos para o futuro. Creio que fará sentido priorizar os cuidados no domicílio. Muitos países europeus já apostaram, há muitos anos, noutras respostas sociais e sanitárias. Continuamos a investir milhões de euros na criação de Estruturas Residenciais para Idosos, investimentos encorajados pelas políticas públicas das últimas décadas. Uma estratégia que deve ser reequacionada. Fará sentido investir em grandes equipamentos onde residem dezenas ou mesmo centenas de pessoas idosas? Fará sentido investir milhões no edificado e reduzir custos na qualidade dos cuidados, não apostar na qualificação especializada dos recursos humanos, manifestamente insuficientes, e mal remunerados?
Em 1987, há mais de três décadas, a Dinamarca interditou a construção de novas residências para idosos. Uma escolha que resultou na diminuição considerável de pessoas institucionalizadas. Na atualidade, neste país, haverá, apenas, cerca de 4% de pessoas idosas, com mais de 84 anos, institucionalizadas em residências. O Estado apostou, forte e decisivamente, em levar ao domicílio todos os serviços de apoio de que poderão necessitar estas pessoas. Talvez possamos estudar outros modelos de prestação de cuidados no domicílio, devidamente adaptados ao nosso contexto social e económico, e reconstruir uma política da longevidade.
Temos que assumir um compromisso nacional forte no investimento em novas políticas da longevidade e em serviços que criem as condições necessárias para que as pessoas permaneçam nos seus domicílios. Estes serviços deverão ser prestados por equipas multidisciplinares especializadas. Os profissionais do cuidado devem ser reconhecidos pelo enorme valor do seu trabalho, sendo remunerados adequadamente. Será também fundamental reforçar o apoio às iniciativas locais que já dinamizam serviços de proximidade, incentivar a melhoria contínua e a adoção de boas práticas, potenciadoras de uma resposta holística e promotoras da qualidade de vida e dignidade de todas as pessoas.
O tempo pós-covid-19 deve ser o do reconhecimento da nossa vulnerabilidade; da dignidade para todos; da humanidade plural; do respeito pela diversidade e integridade; da empatia; da solidariedade universal e do advento da economia social e solidária.
José Carreira
Obras Sociais Viseu
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