“Little Portugal”: Um país por conhecer
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“Little Portugal”: Um país por conhecer

Revista Amar - LITTLE PORTUGAL Um país por conhecer
Créditos: Carlos Monteiro

 

Assim que comecei a dar aulas em Toronto, fui-me familiarizando com a variedade dos alunos, que nada tinham a ver com a minha experiência escandinava em que um estrangeiro era sempre uma exceção. Os rostos muito alvos e de olhos claros, foram substituídos por uma paleta de tons, com adereços a condizer, que tanto podiam ir das longas túnicas aos saris, como das cabeças cobertas de véus, turbantes ou kipás.

Foi nesta Babel de línguas, etnias, crenças, expressas num conjunto de culturas a conviverem de forma harmoniosa e pacífica, que me vi rodeada de mundos que chegaram até mim sem nunca os ter visitado. Entre eles, estava também a comunidade portuguesa concentrada no “Little Portugal” – um “País por conhecer, por escrever, por ler…”, como diria O’Neill -, onde era possível circular sem precisar de usar uma a palra em inglês.

Nunca se nasce nem se vive numa só pátria, sempre que ela se inventa em todos os lugares para onde levamos as memórias daquilo que fomos e somos. E o “Little Portugal” agigantava-se de cada vez que eu me cruzava com vozes anónimas que, pelo sotaque, emitiam certidões de nascimento de todas as regiões de Portugal Continental e Ilhas. Virei do avesso um “slogan” muito em voga na época “Vá para fora, cá dentro”, porque ali seria “Vá para dentro, lá fora!”

Passei a frequentar as sedes das várias casas e clubes, e a participar nos seus diversos eventos e semanas culturais, umas vezes como assistente, outras de forma mais ativa a proferir comunicações, a fazer lançamentos de livros, a promover autores, para que o meu trabalho saísse das salas da universidade.

Foi dentro do associativismo que comecei a compreender melhor a emigração. Dar um salto para o desconhecido nunca é fácil quando, na maior parte das vezes, nos esperam muitos dias de solidão e saudade. As partidas fazem-se em nome de futuros de sucesso, mas a língua que as traduzem é declinada em ausências, renúncias e, quantas vezes, num silêncio servil perante a dignidade espezinhada, que poderia levar anos a levantar-se consoante a quantidade de “dolitas” amealhadas.

Nestes encontros pelos corredores da diáspora, fui conhecendo gente que, ao relatar-me as suas histórias de vida, era um manual escancarado de aulas práticas que desconstruía quase tudo quanto aprendera nos in-fólios dos compêndios. De como nos podemos manter estrangeiros nas vivências, nas partilhas, nos equilíbrios precários das relações de pertença indefinidas e tantas vezes adiadas.

Não tinha ainda completado um ano sobre a minha estreia numa comunidade longe da Pátria, quando a notícia, de tão inesperada, nos surpreendeu a todos. Não recordo que motivos me levaram nesse dia à zona portuguesa, mas o que vi e ouvi apanhou-me desprevenida: fotografias de Amália em muitas montras e, por todo o lado, a sua voz a encher de fados a Dundas Street. Era o país distante a chorar a fadista, numa afirmação de portugalidade adormecida, que desperta assim que um dos que representa a alma portuguesa adormece para sempre.

A emoção sentida impeliu-me a satisfazer um pedido que há muito me haviam feito – colaborar num jornal português. Cheguei a casa, escrevi o texto com que iniciei, e até hoje mantenho, a colaboração no jornal “Milénio”. Amália, naquele dia, foi nome de crónica, da minha primeira crónica!

Uma missão inicialmente prevista para seis anos, terminou ao fim de cinco, mas o laboratório humano, em que me movi, fizeram-me entender muito melhor as razões que levam a “ largar amarras” do chão a que se pertence.
Com os nós dos dias, meses e anos ali vividos urdi a trama de experiências com que voltei a casa. Diferente, porque passou a haver um antes e um depois da minha missão em Toronto.

Aida Batista

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