O que é ser português?
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O que é ser português?

revista amar - o que é ser portugues

 

O que é ser português? É a pergunta que volta e meia paira no ar e tema que ouvi ser inúmeras vezes debatido durante os anos em que tenho convivido com a comunidade lusa em Toronto. Os nossos clubes e associaçōes têm de momento em mãos a difícil tarefa de passar as suas casas, tão árduamente construídas, para as mãos das novas geraçōes. É difícil porque os modelos de organização e também muitas tradiçōes que alegravam os nossos pais e avós estão a cair em desuso e já não cativam os jovens. Independentemente do que agrada a uns e a outros, o certo é que, seja qual for a idade ou situação, todos partilhamos do mesmo sentimento: amamos ser portugueses. Se há tantas diferenças de como celebramos, do que gostamos e do futuro que envisionamos… o que é, afinal, esta coisa de ser português?

Se pergunto ao condutor do Uber que me leva a casa, ele diz “portuguese chicken”, os meus colegas dizem “Cristiano Ronaldo”, num encontro de amigos falam-me das “férias com paisagens lindas, deliciosa comida e ainda melhores bebidas”, nos eventos fala-se de “fado” e nos jantares vem sempre à conversa o famoso pastel de nata, aqui batizado “portuguese custard tart”. Mas então é isto? Será que ser português se resume a frango de churrasco, futebol, turismo, música, vinhos e bolos? Tenho a certeza de que existe muito além das belezas, sabores e conquistas deste nosso país plantado à beira-mar. O que mais faz de nós portugueses? A língua, o território, o passaporte?

O povo português nunca teve, nem tem, problemas de identidade. Ainda que a resposta não esteja na ponta da língua, não é por isso que ela deixa de existir. Antes pelo contrário. Esta é uma daquelas situaçōes em que andamos à procura das chaves pela casa toda e depois damos conta que afinal estiveram sempre no bolso do casaco que temos vestido. É o que eu vejo acontecer com esta pergunta. Esquecemo-nos de olhar para dentro. Eu digo que ser português está naquilo que não se saboreia, não se vê nem se toca. A portugalidade está no nosso caráter. O etnólogo português Jorge Dias publicou na década de 50 um livro chamado “Os Elementos Fundamentais da Cultura Portuguesa”, no qual faz um resumo daquilo que seria a nossa personalidade geral. Jorge Dias diz que o português é “ao mesmo tempo sonhador e homem de ação” ou seja, “um sonhador ativo que mantém sempre um olhar realista sobre os seus objetivos”. Ele continua, defende que “o portugués é humano e sensível, amoroso e bondoso, contudo, sem ser fraco. Não gosta de fazer sofrer e evita conflitos, mas quando ferido no seu orgulho pode ser violento e cruel. Tem um grande sentido de fé e tem uma ligação muito forte com a sua natureza e herança. É individualista, mas tem uma forte solidariedade humana. Tem espírito crítico e trocista e uma ironia pungente”.

Pegando nas palavras de Jorge Dias, eu acrescento: o português traz na alma a inspiração de Luís Vaz de Camōes, a ousadia de Bocage, a inquietude de Saramago, leva no peito a libertação da Revolução dos Cravos, a coragem dos navegadores dos Descobrimentos e pratica diariamente o verso de Fernando Pessoa “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Mesmo com a globalização e os crescentes fluxos migratórios, os portugueses espalhados pelo mundo continuam a manter a essência da sua identidade. A verdadeira portugalidade acontece nos empregos em que somos conhecidos como um povo trabalhador, nos nossos círculos sociais em que somos calorosos e acolhedores, acontece em cada uma das nossas mesas em que há sempre espaço para mais uma pessoa. Ser português é falar de uma História que não é perfeita, mas que nos tornou no que somos hoje. Somos lutadores, resilientes, somos um povo guerreiro, endurecido pelas batalhas travadas ao longo dos tempos e sofrido com a tão nossa saudade. O encanto é que embrulhamos tudo isso com a também muito nossa bondade, hospitalidade e fé. Sim, há algo em ser português que é especial. É a nossa vocação de “estar no mundo como em casa”, assim o diz muito bem o autor Jorge Dias. Feliz Dia de Portugal!

Telma Pinguelo

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