A minha pátria é a língua portuguesa Livro do Desasossego – Bernardo Soares (Fernando Pessoa)
Este breve apontamento seria difícil de se concretizar noutras circunstâncias, mas a citação inspiradora de Fernando Pessoa impele-me a escrever e a olhar para o interior da minha pátria, povoada de paisagens inesquecíveis que nos deixam sem fôlego, onde a natureza será sempre irrepetível, onde nos deparamos a cada passo com aquela curva da estrada ou com aquele rio da minha aldeia do mestre Caeiro. As flores exalam os seus aromas, as narinas sorvem as essências silvestres, o voo dos pássaros desenha a sua liberdade no azul celeste.
E vou a Miranda ver dançar os pauliteiros…
Neste torrão chão, os linguajares das gentes acariciam com ligeireza as palavras, novas palavras que brotam da sua voz como afloramentos magmáticos, expressões arcaicas que cimentam a língua portuguesa.
E vou à Senhora da Lapa em peregrinação para encontrar-me com Aquilino Ribeiro…
E vou a Monsanto escutar as adufeiras…
E vou a Castro Verde ouvir o cante…
Um território ancestral habitado pelos mais diversos povos, uma identidade construída ao longo dos séculos onde a língua edificou a pátria. Essa língua, ferramenta de escritores que levou mais longe a cultura e o nome de Portugal, numa epopeia constante. Os poetas retiraram o véu da noiva sobre as palavras e o amor à pátria materializou-se nos versos rabiscados nos exílios, nas guerras e nos cárceres.
Usurpando a frase ao escritor e poeta Luís Vaz de Camões, ditosa pátria que filhos desta eloquência deu à língua portuguesa, sendo por vezes uma língua apátrida, acostumou-se a mudar de figurino conforme as latitudes.
A minha língua mátria tem a aparência de um colar de missangas. Em Cabo Verde canta mornas de braço dado com o crioulo e no Brasil tem samba no pé numa roda de samba no terreiro. Em Angola pode ser pregão na boca da vendedeira no mercado Roque Santeiro, junto ao porto de Luanda; na Índia e no extremo oriente resiste nos corações dos goeses, macaenses e timorenses como um sol nascente raiado de esperança.
Acompanhando os heróis do mar, a língua portuguesa sulcou com a sua quilha os sete mares, como na canção dos sétima legião “foram tantas as tormentas, que tivemos que enfrentar…”, peregrinou por terras africanas, explorou a selva pela pena de Ferreira de Castro, dobrou o cabo da Boa Esperança e com Magalhães circum-navegou o mundo.
O poder das palavras vogou ao vento nas vozes dos fadistas, devidamente acompanhados pela viola e pela guitarra portuguesa. O mestre Carlos Paredes, ao dedilhar a sua guitarra dispensa as palavras para tanger habilmente a alma portuguesa.
Amo a minha pátria, cuido da minha língua, mas temo que ela já não seja só minha. Ela tornou-se cosmopolita.
Licenciado no ensino da História e Ciências Sociais
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