Saara, decerto!
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Saara, decerto!

revista amar - Deserto do saara 02

 

Antes de colocar os olhos sobre a imensidão do mais famoso deserto do planeta, é preciso percorrer ruas e longas estradas (os mais de dois mil quilómetros), caminhar lentamente pela mesquita com os pés descalços e a mente desnuda para abraçar tão grandiosa cultura que atravessou os séculos e até aos dias de hoje conta, em detalhes geométricos e históricos, quase todos os segredos islâmicos, quase todas as aspirações de um passado que ergueu prédios e mãos em direção aos céus de Alá, à religião que reuniu incontáveis pessoas ao seu redor e buscou conquistar, para além das terras e horizontes, o conhecimento que por vezes foi pago em ouro equivalente ao peso do livro encomendado. É uma viagem tanto para fora quanto para dentro, levando-nos a ponderar e a repensar além do que supomos acerca do mundo (dos mundos!) no qual vivemos.

“Senhoras e senhores passageiros, iniciamos o nosso procedimento de descida para Casablanca”, informava o comandante daquele voo que saíra de Lisboa, deixando para trás um velho conhecido da nação marroquina: Portugal, permitindo entrever as relações passadas no inquietante imaginário. Até Camões lá esteve muitíssimo próximo, em Ceuta (cidade autónoma da Espanha), ainda que sob uma atmosfera militar em prol de mares sempre dantes navegados e essenciais às explorações e aos comércios; ali, o Estreito de Gibraltar ou as Colunas de Hércules descritas por Platão em suas deleitosas histórias sobre uma Atlântida tão antiga quão escondida…
Casablanca, a cidade mais populosa do país guarda em seu coração a mesquita de Hassan II, uma obra de arte que acolhe até 25 mil pessoas: a segunda maior do mundo. O imponente pé direito e as entradas de luz natural ajudam a promover a sua finalidade subjetiva e espiritual. E o que dizer das fontes de água para a purificação dos fiéis? São como esculturas que depuram e ao mesmo tempo adornam, fazendo par aos coloridos desenhos geométricos existentes por todos os lados. Oração e êxtase dão-se as mãos.

 

Arco do Triunfo de Caracala, Visibilis
Arco do Triunfo de Caracala, Visibilis
Créditos: Armando Neto
Mesquita de Hassan II, Casablanca
Mesquita de Hassan II, Casablanca
Créditos: Armando Neto

 

E em uma breve passagem pelo Rick’s Café, a mente se deixa levar pela lembrança da música (As Time Goes By) de seu clássico filme Casablanca: ‘you must remenber this, a kiss is just a kiss…’, mesmo que as lentes das câmeras nunca tenham gravado nada por lá, pois o cenário foi noutro lugar. Não tem importância: você precisa lembrar-se que um truque é apenas um truque. O que vale é o seu efeito, a mágica da imaginação.

Pois bem, de malas arrumadas e espaço para muita bagagem cultural, prosseguimos. Paisagens ganham a atenção do grupo turístico formado por canadianos, brasileiros, portugueses e outras nacionalidades, compondo um mosaico rico e interessante. Mas qual não foi a surpresa quando voltámos no tempo ao pasmar diante de Volubilis, a cidade do Império Romano cuja dimensão (chegou a ter 20 mil habitantes no final do século II) não nos permitia vê-la na totalidade, tampouco se podia afirmar que algumas construções não se mostravam recentes pela indizível conservação (em meio às ruínas, é claro), com danos causados, pasme, pelo terremoto lisboeta de 1755. E se quiser se surpreender com ainda mais curiosidade, há relatos de 1756 sobre ondas que avançaram com fúria e lonjura a algumas regiões nordestes brasileiras. Volubilis! Ficou como um pano de fundo à mente que se impressionou demasiado pelos sentimentos e pela majestade do cenário cinematográfico ali erguido em pedras.

E por falar em antiguidade, foi mesmo um paraíso de descobertas quando ficámos frente a frente à universidade mais antiga do mundo, ainda em atividade (fundada pela rica muçulmana Fátima Al-Fihri, no ano 859), Al Quaraouiyine, em Fez, assim reconhecido pela Unesco e pelo Guinness Book. Para quem gosta da história e da educação, é um privilégio e uma honra estar ali.

 

Riad-Palácio Bahia, Marrakech
Riad-Palácio Bahia, Marrakech
Créditos: Armando Neto
Andréa à porta da universidade (ano 859) em Fez
Andréa à porta da universidade (ano 859) em Fez
Créditos: Armando Neto

 

Igualmente linda é a capital, Rabat, com prédios modernos e layouts futuristas, como o grande teatro, por exemplo. E é em meio à tal ousadia urbana que vive o rei de Marrocos, Mohammed VI, no palácio Dâr-al-Makhzen, rodeado por laranjeiras e fontes de água. Há muito por ver, muito por assimilar, feito uma escola intensiva de uns tantos dias repletos de panoramas, histórias e outras explicações atuais. Economia e trabalho dos marroquinos, sua luta diária e seu poder de superação às dificuldades (como em outros lugares do globo também) nas terras cujo sol se mostra diferente, basta ficar admirando-o no horizonte de céus com poucas nuvens e muita seca por vezes. Regiões nas quais foram gravados trechos de filmes como ‘Gladiador`, ‘Lawrence da Arábia`, ‘A Múmia`, ‘Cruzada` e outros, são comuns e atraem os fãs de forma irresistível. Há bastante por considerar ao reunir tanta informação vinda de empolgantes vozes de guias apaixonados por sua terra, pelo motorista com o zelo de quem protege, mas que se diverte com invejável humor a cada parada, a cada destino a envolver seus curiosos passageiros.

Em seguida, logo se chega a Marrakech. É evidente que a cidade merece outro texto, mas o resumo será aqui uma necessidade a permitir o desfecho localizado no deserto. Logo, muita coisa ficará sem a devida apresentação e a consequente representação imaginativa. Paciência, penso. Para quem entra no Palácio Bahia (século XIX), a visão da arquitetura e dos desenhos é capaz de transportar à novela histórica que se fez outrora tanto nos cómodos e corredores quanto no riad (jardins com fonte e caminhos). A atmosfera local ganha espaço e poder em cada passo dado, em cada impressão alcançada. Mas nem só de palácio viverá o turista e, como manda o figurino turístico, irrompe-se uma explosão de compras nos famosos pontos de mercado. Cores e cheiros abundam pelas ruas e também nas lojas cujas aulas são ministradas por especialistas, em minutos de concentrada experiência. Da medicina à estética, o passado se impõe ao presente em lindos potes ou em pequenos frascos, saquetas e caixas. Tapetes, couro, cerâmica, etc., são minuciosamente mostrados também, lá e em outros lugares. Tudo parece ser possível, as lembrancinhas carregam em si o país inteiro dentro das malas dos visitantes. E vários deles finalmente avançam ao deserto.

Como descrever um mar de areia que é repleto de aventura e ondas de emoções? Dizer: só vendo, é uma realidade que tentarei contornar, embora claramente impossível, bem sei, mas insisto.

Entre num carro 4×4 cujo motorista lhe sorri e demonstra fazer as honras da apresentação de um trecho da sua terra, da sua vida, o deserto do Saara. Uma fila de veículos anda uns poucos quilómetros até chegar às areias sobre as quais se aumenta o volume da música marroquina e o vento passa a invadir o interior com a emocionante velocidade conquistada. Aos poucos, dunas gigantescas ficam visíveis. Tudo combinado… ao sol que as aquece e ilumina, uma comunhão entre o céu e a terra.

Depois das empolgantes filmagens hollywoodianas, todo o encanto se amplia com o ingresso às tendas. Já à entrada, vê-se a cama decorada com fortes cores e tons e almofadas, mesas e cadeiras, lustre, decoração. À frente, em outro cómodo, uma pia palaciana com toalhas e, dos dois lados, ambientes com chuveiro e sanita. Pode tudo aquilo existir no deserto ou será a famosa ilusão tão bem conhecida através dos filmes? Pode e deve ser tocado e admirado. É como viver a história, como experimentar um filme, como se deixar levar pelo inusitado…

 

Caminho de acesso à tenda, deserto do Saara
Caminho de acesso à tenda, deserto do Saara
Créditos: Armando Neto
Interior da tenda, deserto do Saara
Interior da tenda, deserto do Saara
Créditos: Armando Neto

 

Bem, como em um filme também, logo se iniciam os passeios pelas dunas que podem chegar a 150 metros de altura, e adivinhe qual é o meio de transporte? Exatamente! Camelos, aqueles de uma corcova (ou bossa), conhecidos por dromedários. Mansos, já acostumados com o ser humano, com o trabalho local. Então, é o momento de sentar-se à sela sob a orientação do guia, fazendo com que o camelo se levante e seja possível ficar a uma considerável altura do chão. É uma sensação e tanto imediata. Prontamente o passeio tem início, avançando às subidas arenosas e até ao ponto mais alto, onde se desce e o horizonte ganha os olhares até ao pôr do sol. Conversas (uma verdadeira torre de Babel) e admirações tomam conta do lugar diante daquela bola amarela e alaranjada, cuja descida faz a coloração das areias se modificar: bege, caramelo, castanho, chocolate… Tons avermelhados entram em cena, um verdadeiro teatro gigante coordenado com precisão e raro talento vindos da natureza.

Retorna-se ao acampamento sobre o dócil vaivém causado pelo andar despretensioso dos camelos, descendo através das dunas já abundantemente fotografadas e gravadas no fundo da alma.

No local existe um restaurante que mais se assemelha aos contos das ‘Mil e Uma Noites`, disposto com mesas fartamente decoradas por cores hipnóticas, arranjos de guardanapos sobre os pratos e uma promessa de sedução. Entradas e bebidas antecedem os pratos típicos que incluem ‘Tagine de Frango` e carneiro, por exemplo, com temperos e texturas únicos. Frutas e chá de menta selam o banquete, propondo uma breve caminhada sob o estreladíssimo céu do deserto.

O sono, por sua vez, ganha o conforto dos lençóis no exótico quarto da tenda. São sonhos, também verdades. Da monumental mesquita ao deserto, tudo é possível, a beleza das paisagens e das construções, a história, a vida contemporânea do povo, o real, a magia. Saara, decerto!

Aos poucos, o retorno é a direção tomada. Outras estradas e lugares tomam forma até ao fim da viagem. Senhoras e senhores passageiros com destino a Lisboa, bem-vindos…

Armando Correa de Siqueira Neto

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