{"id":22353,"date":"2019-08-11T10:29:00","date_gmt":"2019-08-11T14:29:00","guid":{"rendered":"http:\/\/revistamar.com\/?p=22353"},"modified":"2019-08-11T10:29:00","modified_gmt":"2019-08-11T14:29:00","slug":"a-terapia-com-eletrochoques-esta-de-volta","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/revistamar.com\/lifestyle\/saude-bemestar\/a-terapia-com-eletrochoques-esta-de-volta\/","title":{"rendered":"A terapia com \u201celetrochoques\u201d est\u00e1 de volta"},"content":{"rendered":"

Ganhou m\u00e1 fama nos anos 1960 e 70. Era vista como um tratamento violento. Agora mais sofisticada, a eletroconvulsoterapia regressou aos hospitais, para casos de depress\u00f5es graves.<\/strong><\/p>\n

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O homem tinha um casamento p\u00e9ssimo. Ficou deprimido, a depress\u00e3o agravou-se, quase deixou de conseguir trabalhar de manh\u00e3 porque tinha dificuldade em sair de baixo dos cobertores. O tratamento com antidepressivos n\u00e3o estava a funcionar: cambaleava, falava pouco, raramente tomava banho. Finalmente, na primavera de 1973, foi internado num hospital psiqui\u00e1trico.<\/p>\n

Este homem era Sherwin Nuland (1930-2014), cirurgi\u00e3o e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Yale, nos Estados Unidos. Em 2004, subiu ao palco das confer\u00eancias TED Talk para contar como foi a terapia electroconvulsiva (ECT) que o ajudou a superar esta fase negra e a recuperar: voltou a casar, teve mais filhos, ressuscitou a carreira como cirurgi\u00e3o e professor universit\u00e1rio, come\u00e7ou a escrever livros. Trinta anos depois, garantiu que teve uma vida maravilhosa gra\u00e7as esta terapia t\u00e3o contestada nos anos 1970, quando lhe foi aplicada.<\/p>\n

A eletroconvulsivoterapia (ECT) consiste na aplica\u00e7\u00e3o de uma corrente el\u00e9trica na cabe\u00e7a do paciente que induz uma convuls\u00e3o generalizada, autolimitada, e leva a altera\u00e7\u00f5es qu\u00edmicas cerebrais capazes de melhorar os sintomas de algumas doen\u00e7as psiqui\u00e1tricas. O tratamento, que foi usado pela primeira vez em 1938, ganhou m\u00e1 fama nos anos 60 e 70, em pleno movimento antipsiquiatria.<\/p>\n

O filme \u201cVoando Sobre um Ninho de Cucos\u201d, de 1975, ajudou a cristalizar a imagem dos \u201celetrochoques\u201d como uma t\u00e9cnica violenta, brutal e desumana que perdura at\u00e9 aos dias de hoje. Os filmes e s\u00e9ries t\u00eam continuado desde ent\u00e3o a representar a ECT recorrendo a elementos c\u00e9nicos muito apelativos, mas totalmente desfasados da realidade, nomeadamente de pacientes deitados numa maca aos gritos e com violentas convuls\u00f5es ou a fazerem o tratamento contra a sua vontade.<\/p>\n

A ECT atual ainda est\u00e1 \u00e0 espera da estreia no cinema, talvez por ser um processo bastante menos dram\u00e1tico: \u00e9 necess\u00e1rio um consentimento informado e o paciente est\u00e1 a dormir. \u201cA ECT hoje em dia \u00e9 feita com recurso a anestesia geral e a relaxantes musculares potentes, que fazem com que a pessoa nada sinta e n\u00e3o haja contra\u00e7\u00f5es musculares bruscas\u201d, esclarece Diogo Telles Correia, m\u00e9dico psiquiatra e psicoterapeuta, professor na Faculdade de Medicina de Lisboa.<\/p>\n

Apesar de a tecnologia ter evolu\u00eddo muito nas \u00faltimas d\u00e9cadas e de se saber que \u00e9 muito eficaz em casos de depress\u00e3o grave e perturba\u00e7\u00e3o bipolar resistentes a outros tratamentos, a sua a\u00e7\u00e3o espec\u00edfica ainda n\u00e3o \u00e9 totalmente conhecida. \u201cPensa-se que facilite a intera\u00e7\u00e3o entre os v\u00e1rios neur\u00f3nios e normalize o funcionamento dos neurotransmissores \u2013 as mol\u00e9culas que servem de comunica\u00e7\u00e3o entre os neur\u00f3nios\u201d, defende Diogo Telles Correia.<\/p>\n

No Hospital de Magalh\u00e3es Lemos, no Porto, hospital central especializado de psiquiatria e refer\u00eancia da regi\u00e3o Norte, a ECT \u00e9 praticada desde que a unidade foi criada, em 1962. \u201cContudo, tratava-se na altura de uma pr\u00e1tica diferente da atual \u2013 com m\u00e1quinas de doseamento por voltagem e est\u00edmulos de corrente alterna -, utilizada raramente e por psiquiatras mais interventivos, que foi caindo em desuso\u201d, explica Jorge Mota, psiquiatra respons\u00e1vel pela Unidade de Electroconvulsivoterapia daquela unidade hospitalar.<\/p>\n

Uma nova m\u00e1quina foi adquirida em 2004, ano da cria\u00e7\u00e3o da Unidade de ECT, e trata-se de um aparelho de \u00faltima gera\u00e7\u00e3o, utilizando tecnologia de impulsos ultrabreves que, de acordo com o m\u00e9dico, permite induzir a convuls\u00e3o necess\u00e1ria com uma carga m\u00ednima, adaptada \u00e0 sensibilidade de cada doente, otimizando a efic\u00e1cia e reduzindo os riscos.<\/p>\n

Os tratamentos nesta unidade t\u00eam vindo a aumentar: passaram de 323 a 37 utentes em 2006 para 1 537 tratamentos a 98 utentes em 2018, contando ultrapassar os 1 800 este ano e aumentar a capacidade da Unidade para eventualmente chegar aos 2 200 anuais.<\/p>\n

Nem oito, nem oitenta<\/h1>\n

A ECT pode ser feita em internamento ou em ambulat\u00f3rio e na fase aguda da doen\u00e7a, geralmente, s\u00e3o realizadas sess\u00f5es duas ou tr\u00eas vezes por semana, durante duas ou quatro semanas. Depois, podem ser feitas sess\u00f5es de manuten\u00e7\u00e3o de forma mais espa\u00e7ada. Por norma, o paciente n\u00e3o abandona a medica\u00e7\u00e3o habitual, mas a ECT pode permitir-lhe reduzi-la se estiver polimedicado.<\/p>\n

\u201cExiste uma regra m\u00edtica em psiquiatria: dois m\u00e9todos de tratamento s\u00e3o sempre mais eficazes juntos do que qualquer um deles isolado. Est\u00e1 demonstrado que a ECT e a medica\u00e7\u00e3o, em conjunto, s\u00e3o mais eficazes a tratar doen\u00e7a aguda e a prevenir reca\u00eddas do que qualquer uma isoladamente\u201d, enfatiza Jorge Mota.<\/p>\n

De acordo com o respons\u00e1vel pela unidade de ECT do Magalh\u00e3es Lemos, a taxa de sucesso anda na ordem dos 80%, mas lembra que tudo \u201cdepende da patologia, aproximando-se dos 90% em algumas doen\u00e7as psic\u00f3ticas ou depressivas mais graves\u201d. At\u00e9 porque \u201cmuitos utentes propostos para ECT podem estar a ser orientados por aus\u00eancia de resposta ao tratamento sem terem patologia que indique a ECT, ou, pelo contr\u00e1rio, tarde demais para aproveitar o tratamento, n\u00e3o apresentando por isso melhoria, o que baixa artificialmente a taxa de sucesso\u201d.<\/p>\n

Tamb\u00e9m o psiquiatra Diogo Telles Correia aponta para taxas de sucesso da ECT na ordem dos 75\/80%, embora lembre que outros tratamentos, nomeadamente os medicamentos, tenham taxas de sucesso tamb\u00e9m muito altas. Ou seja, este n\u00e3o \u00e9 um m\u00e9todo de primeira linha para a maioria dos casos.<\/p>\n

\u201c\u00c9 importante resistir a que esta interven\u00e7\u00e3o se torne numa \u2018moda\u2019 e se comece a utilizar em pacientes que podem responder a uma medica\u00e7\u00e3o bem escolhida por um psiquiatra experiente. Pode ser uma interven\u00e7\u00e3o rent\u00e1vel, se feita num regime privado, devendo ter-se cautela com alguma publicidade enganosa para que se recorra a ela precocemente de mais\u201d, alerta Diogo Telles Correia. Al\u00e9m disso, sendo um procedimento considerado seguro, tem riscos, \u201cnomeadamente altera\u00e7\u00f5es da mem\u00f3ria importantes, que poder\u00e3o ser tempor\u00e1rias mas tamb\u00e9m, em alguns casos, permanentes\u201d, lembra o m\u00e9dico.<\/p>\n

As atuais diretrizes para uso da ECT \u2013 em particular do NICE (National Institute for Health and Care Excellence) \u2013 esclarecem que n\u00e3o deve ser utilizada por rotina ou como tratamento de primeira linha em situa\u00e7\u00f5es de depress\u00e3o moderada, mas apenas em situa\u00e7\u00e3o em que n\u00e3o h\u00e1 resposta \u00e0 terap\u00eautica farmacol\u00f3gica.<\/p>\n

As recomenda\u00e7\u00f5es para considerar a ECT como tratamento de primeira linha focam-se sobretudo em casos de depress\u00e3o severa com riscos para a vida, em que seja necess\u00e1ria uma resposta r\u00e1pida, nomeadamente quando h\u00e1 idea\u00e7\u00e3o suicida ou situa\u00e7\u00f5es em que o paciente n\u00e3o come nem bebe sozinho, por norma associadas a um estado de imobilidade de depress\u00e3o severa chamado catatonia.<\/p>\n

Estes s\u00e3o, de resto, os quadros em que a melhoria mais impressiona os m\u00e9dicos, sustenta Jorge Mota. \u201cOs pacientes com catatonia aguda ficam arreativos e inexpressivos, sem falar, sem se mobilizarem nem se alimentarem sozinhos. Com a ECT a recupera\u00e7\u00e3o nestes quadros costuma ser mais r\u00e1pida e, na semana seguinte aos primeiros tratamentos, aparecem deslocando-se j\u00e1 pelo pr\u00f3prio p\u00e9, falando abertamente com a equipa e mesmo sorrindo.\u201d<\/p>\n

Sofia Teixeira<\/strong><\/p>\n

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Ganhou m\u00e1 fama nos anos 1960 e 70. Era vista como um tratamento violento. Agora mais sofisticada, a eletroconvulsoterapia regressou aos hospitais, para casos de depress\u00f5es graves. O homem tinha um casamento p\u00e9ssimo. Ficou deprimido, a depress\u00e3o agravou-se, quase deixou de conseguir trabalhar de manh\u00e3 porque tinha dificuldade em sair de baixo dos cobertores. O …<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":22354,"comment_status":"closed","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":""},"categories":[46],"tags":[1086,585,226],"jetpack_sharing_enabled":true,"jetpack_featured_media_url":"https:\/\/revistamar.com\/wp-content\/uploads\/2019\/08\/brain-1845962_1280-696x526.jpg","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/22353"}],"collection":[{"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=22353"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/22353\/revisions"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/media\/22354"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=22353"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=22353"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=22353"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}