{"id":26572,"date":"2021-06-09T17:20:06","date_gmt":"2021-06-09T21:20:06","guid":{"rendered":"https:\/\/revistamar.com\/?p=26572"},"modified":"2021-07-03T17:20:52","modified_gmt":"2021-07-03T21:20:52","slug":"o-luto-das-criancas-como-ajuda-las","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/revistamar.com\/lifestyle\/saude-bemestar\/o-luto-das-criancas-como-ajuda-las\/","title":{"rendered":"O luto das crian\u00e7as: Como ajud\u00e1-las?"},"content":{"rendered":"

A morte \u00e9 uma perda avassaladora, uma ferida que custa a sarar. Os mais pequenos sofrem e t\u00eam dificuldades em lidar com emo\u00e7\u00f5es t\u00e3o esmagadoras. A tristeza, a culpa, a raiva, o medo.<\/strong><\/p>\n

A m\u00e3e morreu. O pai morreu. O av\u00f4 partiu. A av\u00f3 j\u00e1 n\u00e3o est\u00e1 c\u00e1. Um irm\u00e3o ou uma irm\u00e3 deixaram de existir. N\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel. N\u00e3o \u00e9 justo. N\u00e3o faz sentido. N\u00e3o aconteceu. Tanta tristeza, tanta raiva, tanta revolta. As crian\u00e7as e o seu luto. H\u00e1 todo um processo pela frente que deve ser feito com honestidade e sem eufemismos. Sobretudo agora, numa altura t\u00e3o dolorosa, com n\u00fameros nunca vistos de mortes di\u00e1rias, com uma pandemia dif\u00edcil de explicar, dif\u00edcil de digerir. Por cada perda para o novo coronav\u00edrus, ou para o que quer que seja, h\u00e1 uma fam\u00edlia que chora. Muitas com crian\u00e7as de v\u00e1rias idades.<\/p>\n

As palavras custam a sair num momento de luto e a tristeza acaba por traduzir-se em comportamentos, na revolta, na nega\u00e7\u00e3o, no medo. In\u00eas Afonso Marques, psic\u00f3loga cl\u00ednica, psicoterapeuta infantojuvenil, refere que \u00e9 preciso aten\u00e7\u00e3o a modifica\u00e7\u00f5es comportamentais e emocionais. O impacto de uma perda pode manifestar-se em momentos diferentes e de formas distintas. \u201cA rela\u00e7\u00e3o com o sucedido, com a pessoa que perdeu, com a forma como os adultos est\u00e3o a reagir, e a sua fase de desenvolvimento, influenciam o processo de luto\u201d, explica a coordenadora da \u00e1rea infantojuvenil da Oficina de Psicologia. \u201cAs crian\u00e7as podem sentir-se assustadas e inseguras por sintonizarem emocionalmente com o stresse e o luto dos outros.\u201d<\/p>\n

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\"Revista
Cr\u00e9ditos \u00a9 Ewa Kurowska\/Pixabay<\/figcaption><\/figure>\n

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Dos seis anos ao in\u00edcio da adolesc\u00eancia, h\u00e1 uma melhor compreens\u00e3o do que \u00e9 a morte e at\u00e9 curiosidade sobre aspetos f\u00edsicos e biol\u00f3gicos do que acontece. \u201cNo processo de luto, podem surgir altera\u00e7\u00f5es de sono e apetite, dificuldades de aten\u00e7\u00e3o e altera\u00e7\u00f5es de comportamento. A brincadeira continua a ser um ve\u00edculo para a express\u00e3o emocional\u201d, prossegue a psic\u00f3loga cl\u00ednica. Na adolesc\u00eancia, acrescenta, \u201ch\u00e1 uma perce\u00e7\u00e3o mais madura sobre a morte e a mortalidade, compreendendo o seu car\u00e1ter irrevers\u00edvel. Numa situa\u00e7\u00e3o de perda, podem tentar negar a realidade, inibindo a express\u00e3o das emo\u00e7\u00f5es.\u201d A culpa, a raiva e o medo podem surgir.
\nCada crian\u00e7a, sua dor. N\u00e3o h\u00e1 uma maneira \u00fanica de expressar o sofrimento. Num momento, um choro intenso, no minuto seguinte, uma alegre brincadeira. Catarina Mexia, psic\u00f3loga cl\u00ednica e terapeuta familiar, enquadra estas altera\u00e7\u00f5es. \u201cEsta mudan\u00e7a no estado de humor n\u00e3o significa que n\u00e3o esteja triste ou que o seu sofrimento tenha chegado ao fim. Tal como os adultos, as crian\u00e7as t\u00eam maneiras diferentes de lidar com o sofrimento e brincar pode ser um mecanismo de defesa para evitar serem invadidas por esse sentimento avassalador.\u201d \u00c9 normal tamb\u00e9m sentirem-se deprimidas, ansiosas, culpadas ou zangadas com a pessoa que morreu ou com quem est\u00e1 \u00e0 sua volta.\u201d<\/p>\n

Os mais novos n\u00e3o t\u00eam grelhas, n\u00e3o t\u00eam refer\u00eancias, para processar uma perda t\u00e3o dolorosa. E um v\u00edrus que virou o Mundo do avesso com tantas mortes n\u00e3o ajuda. Segundo Jos\u00e9 Carlos Rocha, psic\u00f3logo cl\u00ednico, diretor do Centro de Psicologia do Trauma e do Luto, formador e investigador na \u00e1rea da sa\u00fade mental, pela Europa j\u00e1 se fala nos direitos que as crian\u00e7as devem ter num processo de luto. Direito \u00e0 informa\u00e7\u00e3o sobre factos, sobre o que aconteceu. Direito a saber o que s\u00e3o emo\u00e7\u00f5es normais num processo de luto. Tudo isso tem de ser providenciado por adultos suficientemente est\u00e1veis. \u201cN\u00e3o deve haver ambival\u00eancia em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 informa\u00e7\u00e3o, n\u00e3o deve haver receio de esclarecer a crian\u00e7a, mesmo sobre alguns detalhes da morte\u201d, vinca. Os mais pequenos precisam de encontrar palavras para comunicar o que sentem.<\/p>\n

Dar significado e gerir mem\u00f3rias<\/span><\/h3>\n

A liga\u00e7\u00e3o com a pessoa que morre faz toda a diferen\u00e7a e os pap\u00e9is t\u00eam de ser reajustados porque a crian\u00e7a perde algu\u00e9m que tinha um peso enorme na sua vida. Os pais, a fam\u00edlia, a escola, os amigos devem estar atentos \u00e0s dificuldades e aos sinais que persistam. Crian\u00e7as e adolescentes podem ter pesadelos, pensamentos intrusivos, imagens muito concretas ligadas \u00e0 pr\u00f3pria morte, sentirem-se mais irritados, com maior dificuldade em cumprir algumas regras.<\/p>\n

Uma crian\u00e7a com um ou dois anos n\u00e3o consegue compreender o conceito de morte, mas pode reagir \u00e0s emo\u00e7\u00f5es e aos processos de luto dos adultos. \u201cDos tr\u00eas aos cinco anos, t\u00eam uma vis\u00e3o limitada da morte, n\u00e3o a compreendem como um processo generalizado a todos os seres humanos\u201d, adianta In\u00eas Afonso Marques. Nestas faixas et\u00e1rias, h\u00e1 altera\u00e7\u00f5es tempor\u00e1rias que se podem manifestar de v\u00e1rias formas: retrocesso no controlo dos esf\u00edncteres, mudan\u00e7as no sono e no apetite, maior irritabilidade, pedidos constantes de aten\u00e7\u00e3o, verbaliza\u00e7\u00e3o dos medos.<\/p>\n

\u201cMuito frequentemente, h\u00e1 problemas de aprendizagem na fase subsequente, mas que podem perdurar. Dificuldade em confiar nos pr\u00f3prios adultos, dificuldades em aceitar o que aconteceu, sensa\u00e7\u00e3o de injusti\u00e7a, de revolta, amargura, zanga. Sentem-se adormecidos emocionalmente\u201d, observa Jos\u00e9 Carlos Rocha. \u201cMuitas vezes, h\u00e1 dificuldade em compreender o que est\u00e1 a sentir ou a perce\u00e7\u00e3o de que os outros n\u00e3o compreendem o que est\u00e1 a sentir, uma sensa\u00e7\u00e3o de vergonha.\u201d Nesse sentido, \u00e9 necess\u00e1rio\u201d, sustenta, \u201cotimizar a capacidade de a crian\u00e7a gerir mem\u00f3rias, emo\u00e7\u00f5es, dar significado e comunicar aquilo que aconteceu\u201d.<\/p>\n

Crian\u00e7as mais pequenas podem regredir em comportamentos j\u00e1 adquiridos, podem voltar a fazer chichi na cama ou falar \u00e0 beb\u00e9, por exemplo. De acordo com Catarina Mexia, ajudar a crian\u00e7a a lidar com a morte implica que, antecipadamente, o adulto tenha sido capaz de fazer certas coisas. \u201cTomar consci\u00eancia, aceitar e lidar com o seu estado emocional. Mostrar-se triste \u00e9 aceit\u00e1vel, normal e congruente para a crian\u00e7a.\u201d \u00c9 importante transmitir conforto e seguran\u00e7a. \u201cE procurar informa\u00e7\u00e3o para adequar a intera\u00e7\u00e3o ao n\u00edvel do desenvolvimento da sua crian\u00e7a\u201d, frisa. In\u00eas Afonso Marques tamb\u00e9m sublinha este ponto. \u201cAs crian\u00e7as procurar\u00e3o nos adultos pistas para que se sintam mais tranquilas e seguras.\u201d<\/p>\n

A maioria dos estudos cient\u00edficos mostra que, de facto, a forma como os adultos lidam com a pr\u00f3pria dor tem muito impacto no luto da crian\u00e7a. Com dificuldades acrescidas pelas circunst\u00e2ncias, pelas perguntas que continuam sem respostas, por uma pandemia que tantas perdas tem provocado. Emanuel Santos, psic\u00f3logo cl\u00ednico, especialista em tratamento comportamental e cognitivo de crian\u00e7as e adolescentes, real\u00e7a que \u201c\u00e9 necess\u00e1rio que os adultos tamb\u00e9m cuidem de si, de forma a estarem emocionalmente dispon\u00edveis para responderem \u00e0s necessidades da crian\u00e7a\u201d. \u00c9 necess\u00e1rio explicar o que \u00e9 morte com exemplos do quotidiano, dizer a verdade de forma adequada \u00e0 idade, reconhecer e validar o sofrimento dos mais novos, escutar com empatia. \u201c\u00c9 de suma import\u00e2ncia que os adultos possam explicar \u00e0 crian\u00e7a que a sua tristeza \u00e9 real e normal nesta situa\u00e7\u00e3o e que, com o tempo, ela se vai sentir menos triste\u201d, repara o psic\u00f3logo cl\u00ednico.<\/p>\n

Sem eufemismos e explica\u00e7\u00f5es sinceras<\/span><\/h3>\n

Como ajudar? H\u00e1 v\u00e1rias estrat\u00e9gias. Catarina Mexia enfatiza a necessidade de adequar respostas \u00e0s idades e evitar eufemismo para falar da perda. \u201cMuitas vezes, ouvimos a refer\u00eancia ao sono como equivalente da morte. Associa\u00e7\u00f5es como esta devem ser evitadas. Al\u00e9m de potencializar os medos, complicam o processo de desenvolvimento de estrat\u00e9gias necess\u00e1rias no futuro.\u201d<\/p>\n

\u201cN\u00e3o contarmos uma perda poder\u00e1 levar a que a crian\u00e7a se sinta exclu\u00edda ou perca confian\u00e7a, bem como dificultar a elabora\u00e7\u00e3o da perda, o processo de luto, que ter\u00e1 de acontecer nalgum momento\u201d, diz In\u00eas Afonso Marques. \u00c9 fundamental ajudar a crian\u00e7a a reconhecer o que sente, dar-lhe nome, ter pistas para lidar com o que est\u00e1 a sentir. Nas crian\u00e7as mais novas, o recurso ao desenho e \u00e0 escrita s\u00e3o formas ajustadas de exprimir emo\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

Os adultos t\u00eam de estar preparados para quest\u00f5es e para esclarecer o melhor que conseguirem, para n\u00e3o haver ideias erradas, e n\u00e3o devem subestimar o assunto porque supostamente a crian\u00e7a n\u00e3o ir\u00e1 compreender. Sejam quais forem as circunst\u00e2ncias, seja em que contexto for. Para a psic\u00f3loga cl\u00ednica, \u201cperguntar o que a crian\u00e7a sabe permite ter uma perspetiva da informa\u00e7\u00e3o que ela disp\u00f5e, possibilitando corrigir algumas ideias erradas e dosear a informa\u00e7\u00e3o que se transmite\u201d.<\/p>\n

A no\u00e7\u00e3o da vida ap\u00f3s a morte, que varia, \u00e9 tamb\u00e9m um aspeto a ter em considera\u00e7\u00e3o. \u201cEm fam\u00edlias onde existem cren\u00e7as que explicam a vida ap\u00f3s a morte, estas podem ser \u00fateis para confortar a crian\u00e7a. Noutras, em que n\u00e3o as h\u00e1, a ideia de que o ente querido n\u00e3o desaparece enquanto a sua mem\u00f3ria for preservada, que ele \u2018estar\u00e1 sempre no nosso cora\u00e7\u00e3o\u2019, tamb\u00e9m ajuda e pode servir de motivo para elaborar \u00e1lbuns de mem\u00f3rias com a participa\u00e7\u00e3o da crian\u00e7a\u201d, assinala Catarina Mexia.<\/p>\n

\u201cAs crian\u00e7as s\u00e3o mais r\u00e1pidas a evoluir no processo de luto, mas quando as dificuldades perduram mais dois\/tr\u00eas meses, s\u00e3o um sinal de maior dano\u201d, comenta Jos\u00e9 Carlos Rocha. H\u00e1 interven\u00e7\u00f5es mais complexas quer numa fase inicial, quer num per\u00edodo mais avan\u00e7ado do processo. At\u00e9 porque as adversidades na inf\u00e2ncia, e a perda de algu\u00e9m \u00e9 um exemplo, podem ter impacto a longo prazo.
\nCom o passar do tempo, o processo de luto segue naturalmente e a perda \u00e9 integrada de forma adaptativa. \u201c\u00c9 de esperar que a crian\u00e7a seja capaz de retomar a sua rotina e que, com o suporte dos adultos, consiga recuperar o seu bem-estar\u201d, defende Emanuel Santos.<\/p>\n

H\u00e1, no entanto, sinais de alerta que merecem uma aten\u00e7\u00e3o particular. \u201cNo geral, podemos considerar que se deve pedir ajuda se a intensidade do sofrimento se prolonga no tempo sem diminuir\u201d, avisa o psic\u00f3logo. Altera\u00e7\u00f5es como fobias persistentes, medo do escuro, recusa em ficar sozinho, medo exagerado de que algo de mal aconte\u00e7a a si ou a uma pessoa pr\u00f3xima, bem como pensamentos recorrentes sobre a morte, merecem preocupa\u00e7\u00e3o. \u201cNo contexto social, se a crian\u00e7a se isola dos amigos e dos adultos, perde interesse em atividades que antes realizava, como um desporto, se se recusa a ir ou a permanecer na escola e se, passado algum tempo, o seu desempenho escolar se mant\u00e9m seriamente afetado, deve-se pedir ajuda especializada\u201d, aconselha Emanuel Santos. Uma perda \u00e9 sempre uma perda.<\/p>\n

Conselhos e estrat\u00e9gias<\/span><\/h3>\n