{"id":27124,"date":"2022-02-12T11:31:52","date_gmt":"2022-02-12T16:31:52","guid":{"rendered":"https:\/\/revistamar.com\/?p=27124"},"modified":"2022-02-12T11:32:29","modified_gmt":"2022-02-12T16:32:29","slug":"entre-margens-alto-douro-vinhateiro-20-anos-de-patrimonio-da-humanidade","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/revistamar.com\/mundo\/turismo\/entre-margens-alto-douro-vinhateiro-20-anos-de-patrimonio-da-humanidade\/","title":{"rendered":"Alto Douro Vinhateiro: 20 anos de Patrim\u00f3nio da Humanidade"},"content":{"rendered":"

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No passado dia 14 de dezembro, o Alto Douro Vinhateiro comemorou duas d\u00e9cadas da sua distin\u00e7\u00e3o como Patrim\u00f3nio Mundial da Humanidade. Esta majestosa regi\u00e3o do Douro, esculpida em socalcos pela arte e o engenho dos homens e mulheres durienses, ganhou uma centralidade na capta\u00e7\u00e3o de turistas. Um territ\u00f3rio alcandorado nas duas margens do rio Douro, a cada volta e revolta do rio uma paisagem \u00fanica, os miradouros como janelas para a cria\u00e7\u00e3o do mundo e as vinhas exibem a paleta de cores dos pintores. As suas gentes preservam as hist\u00f3rias ancestrais, os costumes imemoriais, conservam os sabores da gastronomia duriense e vivenciam as tradi\u00e7\u00f5es religiosas e profanas.<\/strong><\/p>\n

O nosso p\u00e9riplo pela regi\u00e3o demarcada do Douro ter\u00e1 in\u00edcio na cidade da R\u00e9gua, mais propriamente no Cais da Junqueira, com vista para as v\u00e1rias travessias do rio, um cat\u00e1logo de pontes para todos os gostos. As pontes rodovi\u00e1rias e pedonais e sua respetiva portagem e cada uma com a sua hist\u00f3ria peculiar.<\/p>\n

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A 1\u00aa ponte rodovi\u00e1ria da R\u00e9gua foi inaugurada em 1872, mandada construir pelo rei D. Lu\u00eds I, com a degrada\u00e7\u00e3o do pavimento em madeira devido ao fluxo intenso entre margens, as autoridades viram-se obrigadas a aconselhar os passageiros dos transportes p\u00fablicos, a apearem-se e a atravessarem a ponte a p\u00e9, retomando depois os seus lugares. Essa travessia s\u00f3 podia ser feita devidamente cal\u00e7ados, para evitar o espetar de alguma farpa de madeira nos p\u00e9s dos transeuntes. Em 1949 a ponte met\u00e1lica foi desativada e em janeiro de 2012 voltou a ser reativada para a circula\u00e7\u00e3o pedonal e de bicicletas.<\/p>\n

As outras travessias sobranceiras ao rio, as duas outras pontes rodovi\u00e1rias, a primeira a cota mais baixa, a outra a cota mais alta, duas liga\u00e7\u00f5es entre margens.<\/p>\n

A primeira foi projetada para o caminho-de-ferro que nunca chegou a ser constru\u00eddo, a liga\u00e7\u00e3o ferrovi\u00e1ria entre a linha do Douro e a cidade de Lamego na margem esquerda. Hoje em dia serve a m\u00edtica estrada nacional n\u00ba2 e a outra um viaduto imponente da autoestrada A24.<\/p>\n

A nossa viagem recome\u00e7a a partir do Cais da Junqueira rumo \u00e0 cidade ribeirinha, a marginal paralela ao rio abre horizontes aos turistas para a margem esquerda, as quintas e as marcas de vinho do porto exibem os seus outdoors promocionais. A silhueta negra da Sandeman, a Quinta da Pacheca e por \u00faltimo o Vale Abra\u00e3o d\u00e9cor do filme hom\u00f3nimo realizado pelo cineasta Manoel de Oliveira, adaptado a partir da novela de Augustina Bessa-Lu\u00eds.<\/p>\n

A escritora Augustina Bessa-Lu\u00eds refere-se assim ao vale paradis\u00edaco, \u201cA margem esquerda dos rios n\u00e3o apetece tanto, seja porque o sol a procura em horas solit\u00e1rias, seja porque a povoa gente mais tristonha e descendente de homiziados e descontentes do mundo e das suas leis. A regi\u00e3o demarcada do Douro ocupa quase a totalidade a margem direita, prova pelo menos que o reflexo solar tem efeito no neg\u00f3cio dos homens e lhes determina a morada. Por\u00e9m, h\u00e1 na curva que apascenta o rio pelo rech\u00e3o arrento, ao sair da R\u00e9gua, um vale ribeiro de produ\u00e7\u00e3o ainda de vinhos de cheiro e que se estende, rumo \u00e0 cidade Lamego (\u2026) \u00c9 o Vale Abra\u00e3o, com duas quintas e lugares de sombra que parecem acentuar a mem\u00f3ria dum tr\u00e2nsito mourisco que de Granada trazia as mercadorias do Oriente, porventura, os gostos de pomares de espinho e dos verg\u00e9is de puro remanso.\u201d<\/em><\/p>\n

Os lugares excelsos como a Vale Abra\u00e3o resistem \u00e0s cat\u00e1strofes, ao vil abandono e \u00e0 inc\u00faria dos homens, mas o seu valor natural transcendente leva a per\u00edodos de decad\u00eancia e a per\u00edodos \u00e1ureos cumprindo o seu destino de lugar irrepet\u00edvel.<\/p>\n

Nos ancoradoiros da margem direita, os barcos hot\u00e9is derramam no cais os turistas ansiosos por visitar a cidade da R\u00e9gua para uns, Peso da R\u00e9gua para os mais antigos.<\/p>\n

A origem da cidade remonta \u00e0 \u00e9poca romana. Em 26 de Dezembro de 1513, D. Manuel atribuiu foral a Peso da R\u00e9gua, mas alguns historiadores dizem que o 1\u00ba Foral ter\u00e1 sido atribu\u00eddo por D. Afonso Henriques. O nome \u201cPeso\u201d deriva do lugar onde era efetuado o peso dos g\u00e9neros e se cobravam os direitos impostos a v\u00e1rias mercadorias. Em 1836 foi elevada a concelho, a sua hist\u00f3ria ficou ligada \u00e0 cria\u00e7\u00e3o da Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro, pelo Marqu\u00eas de Pombal em 1756, dando origem \u00e0 primeira regi\u00e3o demarcada e regulamentada do mundo.<\/p>\n

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Cr\u00e9ditos \u00a9 ouro Antigo! | 1001 TopVideos<\/figcaption><\/figure>\n

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A regi\u00e3o demarcada vai de Barqueiros (Mes\u00e3o Frio) at\u00e9 Barca de Alva, ao longo do vale do rio Douro e seus afluentes. Esta regi\u00e3o demarcada foi classificada pela UNESCO, primeiro como paisagem cultural em 1992 e em 2001 recebeu a designa\u00e7\u00e3o de Patrim\u00f3nio Mundial da Humanidade. Designada por Alto Douro Vinhateiro, \u00e9 uma paisagem das mais belas do mundo que harmoniza a natureza com a\u00e7\u00e3o do homem.<\/p>\n

Como regi\u00e3o demarcada mais antiga do mundo combina a natureza monumental do vale encantado, feito de encostas \u00edngremes e solos pobres e acidentados, com a a\u00e7\u00e3o ancestral, cont\u00ednua e tenaz do homem. Miguel Torga o descreveu assim:<\/p>\n

\u201cO Doiro sublimado. O prod\u00edgio de uma paisagem que deixa de o ser \u00e0 for\u00e7a de se desmedir. N\u00e3o \u00e9 um panorama que os olhos contemplam: \u00e9 um excesso da natureza. Socalcos que s\u00e3o passadas de homens tit\u00e2nicos a subir as encostas, volumes, cores e modula\u00e7\u00f5es que nenhum escultor, pintor ou m\u00fasico podem traduzir, horizontes dilatados para al\u00e9m dos limiares plaus\u00edveis da vis\u00e3o. Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e j\u00e1 eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo sil\u00eancio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detr\u00e1s dos montes, ora pasmado l\u00e1 no fundo a reflectir o seu pr\u00f3prio assombro. Um poema geol\u00f3gico. A beleza absoluta.\u201d<\/em> (in, Di\u00e1rio XII).<\/p>\n

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Pisa do vinho – 1913 Cr\u00e9ditos: Direitos Reservados<\/figcaption><\/figure>\n
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Trabalho no Douro Cr\u00e9ditos: Direitos Reservados<\/figcaption><\/figure>\n

Alves Redol no seu livro Horizonte Cerrado, do Ciclo Port \u2013 Wine \u2013 I, na voz do personagem Fontela descreve-o de forma sublime:
\n\u201cEm qualquer banda uma cepa se agarra; mas do nosso, criado na fragaria\u2026<\/em>
\n– \u00c9 verdadeiro sangue de Cristo \u2013 interveio Fontela\u2026<\/em>
\n– Mais do que isso!…vinho do Doiro \u00e9 sangue dos homens. Sangue dos homens, pois!\u201d<\/em><\/p>\n

Este vinho, na regi\u00e3o do Douro \u00e9 designado por vinho generoso ou vinho fino e obt\u00e9m-se a partir da jun\u00e7\u00e3o de aguardente ao vinho que interrompe fermenta\u00e7\u00e3o e mant\u00e9m o paladar da uva. Adquiriu um nome mais comercial, sendo designado do Vinho do Porto, porque a exporta\u00e7\u00e3o do vinho era feita a partir da Alf\u00e2ndega do Porto, por influ\u00eancia dos comerciantes ingleses.<\/p>\n

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Rabelos puxados por bois Cr\u00e9ditos: Direitos Reservados<\/figcaption><\/figure>\n

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A partir da\u00ed e gra\u00e7as \u00e0 sua localiza\u00e7\u00e3o geogr\u00e1fica, o Peso da R\u00e9gua adquiriu uma import\u00e2ncia estrat\u00e9gica no transporte e comercializa\u00e7\u00e3o dos vinhos produzidos na regi\u00e3o do Douro. Era daqui que partiam os barcos Rabelos com o seu arais ao leme carregados de pipas de vinho do Porto, em dire\u00e7\u00e3o a Gaia.
\nA partir de 1887, com a constru\u00e7\u00e3o da linha de caminho-de-ferro, os barcos perdem a sua import\u00e2ncia e o transporte \u00e9 feito de comboio.<\/p>\n

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Museu do Douro Cr\u00e9ditos: Direitos Reservados<\/figcaption><\/figure>\n

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Como complemento a esta narrativa, a pr\u00f3xima paragem no Museu do Douro acrescentar\u00e1 um vast\u00edssimo patrim\u00f3nio museol\u00f3gico e documental sobre o Douro e as suas gentes. O visitante ter\u00e1 oportunidade de entrar num edif\u00edcio outrora a preto e branco, agora recuperado na sua tra\u00e7a original, mantendo um equil\u00edbrio entre a sua fun\u00e7\u00e3o de sede da Companhia do Alto Douro e os novos desafios na preserva\u00e7\u00e3o e divulga\u00e7\u00e3o da cultura duriense.<\/p>\n

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Museu do Douro Cr\u00e9ditos: Direitos Reservados<\/figcaption><\/figure>\n
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Museu do Douro Cr\u00e9ditos: Direitos Reservados<\/figcaption><\/figure>\n

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A Casa da Companhia, que hoje alberga o Museu do Douro, \u00e9 um dos mais emblem\u00e1ticos edif\u00edcios da hist\u00f3ria da Regi\u00e3o Demarcada. A sua constru\u00e7\u00e3o est\u00e1 diretamente relacionada com a funda\u00e7\u00e3o da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. A Companhia foi respons\u00e1vel pela demarca\u00e7\u00e3o geogr\u00e1fica e regula\u00e7\u00e3o da produ\u00e7\u00e3o e comercializa\u00e7\u00e3o dos vinhos do Douro. Detentora do monop\u00f3lio do \u201cvinho do Porto\u201d para o administrar mandou construir este edif\u00edcio sede, de monumentalidade reveladora do seu poder, no entreposto da R\u00e9gua.<\/p>\n

O edif\u00edcio foi projetado para congregar diversas fun\u00e7\u00f5es. Acomodava servi\u00e7os administrativos que cumpriam as diretrizes reguladores e comerciais da Companhia; um tribunal para tratar dos processos jur\u00eddicos da sua esfera legal; \u00e1reas de vinifica\u00e7\u00e3o e armazenamento de vinho; e ainda alojamento tempor\u00e1rio para funcion\u00e1rios e para os vinicultores de todo o Douro que rumavam \u00e0 R\u00e9gua para negociarem os vinhos na feira anual. A voca\u00e7\u00e3o multidisciplinar do edif\u00edcio conferiu-lhe caracter\u00edsticas arquitet\u00f3nicas particulares que combinam elementos das casas de quinta durienses e da arquitetura pombalina.<\/p>\n

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Estrada Nacional 222 – Pinh\u00e3o
Cr\u00e9ditos: Direitos Reservados<\/figcaption><\/figure>\n

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Com a manh\u00e3 a meio continuamos a nossa viagem na margem esquerda em paralelo ao Rio Douro na estrada N\u00ba 222, numa extens\u00e3o de 15 km, naquela que \u00e9 considerada a estrada mais bonita do mundo para viajar.
\n\u00c0 medida que vamos avan\u00e7ando, na margem direita, no espelho de \u00e1gua formado pela barragem de Baga\u00faste, avistamos o reflexo das encostas ingremes e a passagem do comboio na linha do Douro. Ap\u00f3s a breve viagem, somos chegados \u00e0 bonita vila do Pinh\u00e3o. No cais de embarque esperam por n\u00f3s os t\u00edpicos barcos Rabelos, para uma curta, mas esplendorosa viagem fluvial.<\/p>\n

Esta nossa primeira viagem entre margens, pelo Alto Douro Vinhateiro, termina no Pinh\u00e3o, a tempo de retemperar for\u00e7as fazendo check-in no The Vintage House Hotel. A viagem segue dentro de momentos\u2026<\/p>\n

Carlos Cruchinho<\/strong><\/span><\/a><\/p>\n

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Bibliografia consultada:<\/strong><\/p>\n