{"id":28482,"date":"2022-11-02T10:05:49","date_gmt":"2022-11-02T14:05:49","guid":{"rendered":"https:\/\/revistamar.com\/?p=28482"},"modified":"2022-11-02T10:05:49","modified_gmt":"2022-11-02T14:05:49","slug":"quem-nunca-chorou-com-um-livro-nao-sabe-amar","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/revistamar.com\/amar\/cronicas\/quem-nunca-chorou-com-um-livro-nao-sabe-amar\/","title":{"rendered":"Quem nunca chorou com um livro n\u00e3o sabe amar"},"content":{"rendered":"

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Isto de ser conhecida como a escritora do amor e apanhar covid no Dia dos Namorados parece uma cena de novela, mas n\u00e3o \u00e9. Foi com uma caixa de bombons em forma de cora\u00e7\u00e3o, recheada de pequenos cora\u00e7\u00f5es, que acabou consumida \u00e0 lareira, entre mantas e livros e jornais espalhados pelo ch\u00e3o, com a febre a dificultar a leitura. Circunscrita ao isolamento, pus-me a cismar nos primeiros livros da minha vida, muito mais importantes do que os primeiros amores, at\u00e9 porque, no meu caso, o primeiro amor em livro foi um belo cl\u00e1ssico (\u201cA menina do mar\u201d) e o primeiro rapaz que me entrou no cora\u00e7\u00e3o foi um grande traste. Pertencia \u00e0 subesp\u00e9cie do impostor nato, namoriscando com v\u00e1rias ao mesmo tempo e s\u00f3 estancando a infernal m\u00e1quina de sedu\u00e7\u00e3o quando sentia as presas paralisadas nas suas garras. Comigo, deu-lhe para encenar uma grande cena de vitimiza\u00e7\u00e3o num banco de jardim, enfeitada com l\u00e1grimas e solu\u00e7os, alegando que desistia, porque j\u00e1 n\u00e3o sabia o que fazer para conquistar o meu amor. Foi uma performance not\u00e1vel. Tr\u00eas semanas depois, trocou-me pela minha melhor amiga (grande amiga, de facto), e eu fiquei a saber o que eram l\u00e1grimas de crocodilo.<\/strong><\/p>\n

Felizmente, j\u00e1 tinha a mania dos livros, viajava dentro deles, \u00e0s vezes colava o meu cora\u00e7\u00e3o ao do protagonista, outras vezes limitava-me a assistir de camarote, envolvida na trama, de bin\u00f3culos mentais, feliz por poder voltar \u00e0 hist\u00f3ria sempre que as p\u00e1ginas se abriam. Fui a fada Oriana, e com ela perdi momentaneamente as asas, fui Natieska, a rapariga que espera durante quatro noites brancas a chegada do seu amor, fui Zez\u00e9 que chorou quando o Mundo na sua crueldade lhe cortou Minguinho, o seu querido p\u00e9 de laranja lima. E fui Buck, o corajoso c\u00e3o salvo por John Thornton em \u201cO apelo da selva\u201d, e a corajosa Kwei-lan que se libertou dos estigmas da China castradora em \u201cVento do Oriente, vento do Ocidente\u201d. \u00c9-me completamente imposs\u00edvel imaginar que pessoa teria sido sem o contributo destes e de outros livros, mesmo que n\u00e3o tivesse escolhido o of\u00edcio de escrever romances de amor.
\nVivemos num pa\u00eds que foi, na primeira d\u00e9cada do mil\u00e9nio, um grande consumidor de livros. O Nobel de Saramago, o rasgo de Lobo Antunes, as epopeias de Miguel Sousa Tavares, o talento e a originalidade narrativa de Mia Couto e de Agualusa seduziram os portugueses. E eu l\u00e1 no meio, a contar hist\u00f3rias de amor que eram pretexto para retratar o Portugal da minha gera\u00e7\u00e3o, a Gera\u00e7\u00e3o X, que viveu a Expo 98, que fazia muitos planos e geria carreiras de sucesso e que nunca imaginou que o Mundo ficasse nas m\u00e3os de alguns l\u00edderes despenteados e de um de cabelo mais curto que inicia guerras quando lhe apetece. Somos os pais de Gera\u00e7\u00e3o Y, os Millennials, que desde os cinco anos nos ensinam a reciclar o lixo e desde os dez nos explicam que o Mundo pode mesmo correr mal por causa das vacas, dos parabenos, dos micropl\u00e1sticos, da calota polar do \u00c1rtico e da falta de abelhas. N\u00f3s olhamos para a vida, eles olham para o Planeta. Para n\u00f3s, sem planos n\u00e3o existia a felicidade, nem sequer existia a realidade. E l\u00edamos, porque n\u00e3o pod\u00edamos assistir a temporadas seguidas de uma s\u00e9rie a n\u00e3o ser que compr\u00e1ssemos a cole\u00e7\u00e3o completa em DVD, porque os telem\u00f3veis s\u00f3 serviam para telefonar e para enviar SMS, porque n\u00e3o existiam redes sociais para nos roubarem anos \u00e0 vida.<\/p>\n

Mas nem tudo est\u00e1 perdido. N\u00e3o, se reflorestarmos o Planeta e se habituarmos os nossos filhos a ler. \u00c9 mais f\u00e1cil do que parece. A esmagadora maioria das crian\u00e7as que conhe\u00e7o a quem os pais leram livros mant\u00e9m esse prazer. Apanharam o bicho da leitura e n\u00e3o abdicam dele. Temos essa obriga\u00e7\u00e3o, por eles e para eles, de n\u00e3o desistir dos livros, porque os livros servem para muita coisa, mas sobretudo para que a alma nunca seque e o cora\u00e7\u00e3o nunca deixe de bater mais depressa, mesmo sem a certeza de que um amor feliz vai rodar a chave da porta ao final do dia.<\/p>\n

Quem nunca chorou com um livro n\u00e3o sabe o que \u00e9 o amor. E o amor \u00e0 vida tamb\u00e9m come\u00e7a pelo amor aos livros.<\/p>\n

Margarida Rebelo Pinto<\/span><\/strong><\/p>\n

NM<\/a><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

  Isto de ser conhecida como a escritora do amor e apanhar covid no Dia dos Namorados parece uma cena de novela, mas n\u00e3o \u00e9. Foi com uma caixa de bombons em forma de cora\u00e7\u00e3o, recheada de pequenos cora\u00e7\u00f5es, que acabou consumida \u00e0 lareira, entre mantas e livros e jornais espalhados pelo ch\u00e3o, com a …<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":28483,"comment_status":"closed","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":""},"categories":[711],"tags":[],"jetpack_sharing_enabled":true,"jetpack_featured_media_url":"https:\/\/revistamar.com\/wp-content\/uploads\/2022\/11\/book-reading-revista-amar.jpg","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/28482"}],"collection":[{"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=28482"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/28482\/revisions"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/media\/28483"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=28482"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=28482"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=28482"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}