{"id":29881,"date":"2024-01-27T12:09:56","date_gmt":"2024-01-27T17:09:56","guid":{"rendered":"https:\/\/revistamar.com\/?p=29881"},"modified":"2024-01-27T12:09:56","modified_gmt":"2024-01-27T17:09:56","slug":"cerebro-e-obesidade-isto-esta-mesmo-tudo-ligado","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/revistamar.com\/lifestyle\/saude-bemestar\/cerebro-e-obesidade-isto-esta-mesmo-tudo-ligado\/","title":{"rendered":"C\u00e9rebro e obesidade: Isto est\u00e1 mesmo tudo ligado"},"content":{"rendered":"

\"obesidade\"<\/p>\n

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Por que raz\u00e3o falamos em \u201ccomer emocional\u201d, a import\u00e2ncia da imagem corporal e da gen\u00e9tica, as consequ\u00eancias do excesso de peso na capacidade cognitiva e no processo das emo\u00e7\u00f5es. E uma nota de esperan\u00e7a face a um problema galopante.<\/strong><\/p>\n

Ocen\u00e1rio \u00e9 familiar a todos. Se o n\u00e3o for por experi\u00eancia direta, h\u00e1 de s\u00ea-lo pelo conhecimento de algu\u00e9m pr\u00f3ximo que se comporta assim. Concretizemos: o dia a dia \u00e9 uma correria, o trabalho um stress constante, as preocupa\u00e7\u00f5es com a casa, com o dinheiro, com os filhos e, no meio disto, ainda h\u00e1 aqueles epis\u00f3dios disruptivos que nos transtornam os dias, uma discuss\u00e3o com algu\u00e9m de quem gostamos, uma \u201cdescasca\u201d do chefe, um susto de sa\u00fade. Quando percebemos, j\u00e1 estamos n\u00f3s a devorar bolachas, bolo, gelado, chocolate e o que mais houver para afogar as m\u00e1goas, como se naquela ingest\u00e3o nociva mas prazerosa de calorias expi\u00e1ssemos todos os males dos dias. Ou ent\u00e3o o seu caso ser\u00e1 mais o oposto, quando se aflige, o est\u00f4mago embrulha-se, parece que n\u00e3o h\u00e1 comida que l\u00e1 caiba, por vezes d\u00e1 at\u00e9 a sensa\u00e7\u00e3o que a garganta se fecha e que n\u00e3o mais ser\u00e1 capaz de voltar a comer. Nada disto \u00e9 imagina\u00e7\u00e3o sua, muito menos um mero comportamento individual e irreplic\u00e1vel. \u00c9 a pr\u00f3pria ci\u00eancia que o justifica.<\/p>\n

Jos\u00e9 Silva Nunes, endocrinologista do Centro Hospitalar Universit\u00e1rio de Lisboa Central, professor do mestrado integrado de Medicina da NOVA Medical School e ainda presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade, d\u00e1-nos conta disso mesmo. \u201cAs nossas emo\u00e7\u00f5es condicionam a forma como percecionamos os alimentos e o ato de os comer. O stress e outras emo\u00e7\u00f5es negativas, como depress\u00e3o e a ansiedade, podem levar \u00e0 diminui\u00e7\u00e3o e ao aumento da ingest\u00e3o de alimentos. O termo \u2018comer emocional\u2019 tem sido amplamente utilizado para se referir \u00e0 \u00faltima resposta: uma tend\u00eancia a comer em resposta a emo\u00e7\u00f5es negativas, sendo os alimentos escolhidos ricos em energia e de elevada palatabilidade [sabem bem].\u201d Sendo que h\u00e1 v\u00e1rios mecanismos na origem desta \u201calimenta\u00e7\u00e3o emocional\u201d. \u201cPor exemplo, usar a alimenta\u00e7\u00e3o para lidar com emo\u00e7\u00f5es negativas ou confundir estados internos de fome e saciedade com altera\u00e7\u00f5es fisiol\u00f3gicas relacionadas com as emo\u00e7\u00f5es.\u201d<\/p>\n

Mariana Monteiro, m\u00e9dica endocrinologista e professora catedr\u00e1tica do ICBAS, no Porto, refor\u00e7a este ponto. \u201cN\u00f3s temos dois sistemas que funcionam em paralelo e se influenciam. Por um lado, os mecanismos homeost\u00e1ticos, que s\u00e3o um fator de equil\u00edbrio energ\u00e9tico. Por outro, os mecanismos hed\u00f3nicos, relacionados com o prazer ou a falta dele, que impactam sobre os primeiros e os conseguem influenciar, seja no sentido de n\u00e3o querermos comer, que \u00e9 a rea\u00e7\u00e3o mais primitiva, ou de querermos comer mais, que j\u00e1 \u00e9 uma rea\u00e7\u00e3o mais elaborada. A influ\u00eancia dos mecanismos hed\u00f3nicos exponencia-se em situa\u00e7\u00f5es de desequil\u00edbrio emocional.\u201d Ou outra prova de que o c\u00e9rebro influencia tudo, o excesso de peso inclu\u00eddo, condiciona at\u00e9 a forma como vemos o nosso corpo. Jos\u00e9 Silva Nunes esclarece: \u201cA imagem corporal tem sido descrita como uma constru\u00e7\u00e3o multidimensional do c\u00e9rebro, resultante de perce\u00e7\u00f5es, pensamentos, sentimentos e atitudes relacionadas com os aspetos f\u00edsicos do corpo.\u201d<\/p>\n

Foquemo-nos ent\u00e3o na obesidade, mais concretamente nos mecanismos do c\u00e9rebro que contribuem para esta doen\u00e7a, j\u00e1 considerada um dos maiores problemas de sa\u00fade p\u00fablica do Mundo (ainda no ano passado, a Organiza\u00e7\u00e3o Mundial de Sa\u00fade estimava que perto de 60% dos europeus vivem com excesso de peso ou obesidade). \u201cO c\u00e9rebro desempenha um papel importante no controlo da ingest\u00e3o e gasto de energia. O hipot\u00e1lamo recebe informa\u00e7\u00e3o sobre os alimentos ingeridos e a quantidade total de gordura corporal, processando essa informa\u00e7\u00e3o e originando um conjunto de a\u00e7\u00f5es que promovem a perda ou o ganho de peso. Contudo, o prazer associado \u00e0 ingest\u00e3o de determinados alimentos pode suplantar aquele mecanismo de regula\u00e7\u00e3o do peso, promovendo o ganho ponderal [aumento de peso].\u201d<\/p>\n

Mariana Monteiro detalha o processo. E explica porque \u00e9 t\u00e3o dif\u00edcil inverter o ciclo. \u201cO nosso c\u00e9rebro funciona como uma esp\u00e9cie de fiel da balan\u00e7a que nos vai dizendo qual o n\u00edvel das reservas energ\u00e9ticas considerado o limiar do est\u00e1vel. Como somos descendentes de muitas gera\u00e7\u00f5es que viveram situa\u00e7\u00f5es de car\u00eancia, pestes, fomes, de maneira inata estamos programados para acumular energia. S\u00f3 que \u00e0 medida que vamos aumentando as reservas de energia, mais o fiel da balan\u00e7a vai subindo. Se o limite for excedido, esse valor passa a ser considerado o novo normal. Por isso as interven\u00e7\u00f5es que n\u00e3o sejam sustentadas ao longo do tempo v\u00e3o desencadear mecanismos de defesa no sentido de recuperar aquele d\u00e9fice de energia. Esses mecanismos est\u00e3o centralizados na zona mais ancestral e primitiva do nosso c\u00e9rebro, que \u00e9 o hipot\u00e1lamo.\u201d Mas isto \u00e9 v\u00e1lido unicamente no caso da obesidade ou tamb\u00e9m no excesso de peso? \u201cEm ambos os casos. A diferen\u00e7a est\u00e1 na dificuldade em fazer a invers\u00e3o do ponderostato [sensor da quantidade de energia acumulada] e em manter a estabilidade. Porque quanto mais nos desviamos do intervalo normal, mais dif\u00edcil \u00e9 voltar a ele e ficar l\u00e1.\u201d<\/p>\n

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\"obesidade\"<\/p>\n

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Heran\u00e7a gen\u00e9tica e capacidade cognitiva<\/h3>\n

E se \u00e9 certo que as emo\u00e7\u00f5es t\u00eam uma palavra a dizer neste processo, n\u00e3o h\u00e1 como negar o papel fundamental da heran\u00e7a gen\u00e9tica. Mariana Monteiro lembra mesmo que estudos feitos em g\u00e9meos separados \u00e0 nascen\u00e7a e criados em contextos completamente diferentes mostraram que o fator gen\u00e9tico \u201ctem um impacto de cerca de 70%\u201d na obesidade. Jos\u00e9 Silva Nunes tamb\u00e9m enfatiza este ponto. \u201cMuitos dos genes associados \u00e0 obesidade est\u00e3o expressos no sistema nervoso central, intervindo nas vias de controlo do metabolismo energ\u00e9tico. O risco gen\u00e9tico para a obesidade reflete o resultado de m\u00faltiplas zonas de material gen\u00e9tico, cada um contribuindo com uma pequena por\u00e7\u00e3o do risco total.\u201d<\/p>\n

Ressalva, no entanto, que \u201cn\u00e3o \u00e9 inevit\u00e1vel que uma pessoa que herde essa predisposi\u00e7\u00e3o venha a desenvolver obesidade\u201d. \u201cEssa predisposi\u00e7\u00e3o s\u00f3 se manifestar\u00e1 em ambientes prop\u00edcios ao aumento de peso\u201d, garante. O que, numa sociedade onde sobejam os alimentos hipercal\u00f3ricos e escasseia a atividade f\u00edsica (pelo menos para uma parte consider\u00e1vel da popula\u00e7\u00e3o), tende a ser um problema s\u00e9rio.<\/p>\n

Tanto mais quanto a obesidade est\u00e1 associada ao aumento de v\u00e1rias doen\u00e7as, tanto f\u00edsicas como ps\u00edquicas. Mariana Monteiro, do ICBAS, recorda, a prop\u00f3sito, os \u201ctr\u00eas \u00e9mes\u201d. \u201cTem consequ\u00eancias metab\u00f3licas, como a diabetes e as doen\u00e7as cardiovasculares, mec\u00e2nicas [deteriora\u00e7\u00e3o das articula\u00e7\u00f5es, por exemplo] e mentais.\u201d A prop\u00f3sito das \u00faltimas, vale a pena real\u00e7ar que, se as emo\u00e7\u00f5es t\u00eam papel importante na obesidade, a intera\u00e7\u00e3o no sentido inverso tamb\u00e9m \u00e9 verdadeira, ou seja, a doen\u00e7a tende a impactar negativamente no processamento das emo\u00e7\u00f5es e mesmo na capacidade cognitiva. O presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade concretiza. \u201cA altera\u00e7\u00e3o da imagem corporal dos doentes leva, frequentemente, a quadros depressivos e de ansiedade. E como a ingest\u00e3o de alimentos tem uma a\u00e7\u00e3o ansiol\u00edtica, pode criar-se um ciclo vicioso que perpetua esta situa\u00e7\u00e3o\u201d, avisa o especialista, que alerta para o facto de existir \u201cuma elevada preval\u00eancia de perturba\u00e7\u00f5es de personalidade em indiv\u00edduos com obesidade\u201d. \u201cA altera\u00e7\u00e3o da imagem corporal e a consequente deteriora\u00e7\u00e3o dos sentimentos de autoestima facilitam o desenvolvimento dessa psicopatologia.\u201d<\/p>\n

Mariana Monteiro acrescenta que o impacto emocional \u00e9 influenciado pelo ambiente social que rodeia o doente. \u201cOs estudos mostram que a preval\u00eancia da depress\u00e3o em pessoas obesas \u00e9 tanto maior quanto mais elevado for o extrato social do doente.\u201d Lembra ainda que h\u00e1 uma rela\u00e7\u00e3o de causa efeito a n\u00edvel fisiol\u00f3gico. \u201cQuanto maior a gordura abdominal, menor o volume do c\u00e9rebro. Da\u00ed a obesidade estar frequentemente associada a uma deteriora\u00e7\u00e3o cognitiva.\u201d Note-se tamb\u00e9m que a obesidade constitui um importante fator de risco para doen\u00e7as c\u00e1rdio e cerebrovasculares. Tem a palavra Jos\u00e9 Silva Nunes. \u201cAs altera\u00e7\u00f5es decorrentes da anormal fun\u00e7\u00e3o do tecido adiposo, com aumento na secre\u00e7\u00e3o de produtos que promovem um \u2018status\u2019 inflamat\u00f3rio, facilitam o aparecimento de insufici\u00eancia card\u00edaca e aumento do risco de ocorrer um enfarte agudo do mioc\u00e1rdio ou um acidente vascular cerebral.\u201d<\/p>\n

Nem tudo s\u00e3o m\u00e1s not\u00edcias, ainda assim. Mariana destaca que, apesar de a obesidade ser um problema cada vez mais premente a n\u00edvel global, h\u00e1 ferramentas \u201ccada vez mais eficazes\u201d para a combater. \u201cA interven\u00e7\u00e3o cl\u00e1ssica passa sempre pela mudan\u00e7a do estilo de vida e dos h\u00e1bitos alimentares. Mas quando falamos numa situa\u00e7\u00e3o de obesidade sabemos que o tratamento vai ter de incluir f\u00e1rmacos.\u201d Destaque-se, a prop\u00f3sito, o t\u00e3o badalado \u201cOzempic\u201d, o semaglutido que \u00e9 prescrito para doentes com diabetes e que tem sido tremendamente eficaz ao n\u00edvel da perda de peso. \u201cSe falamos de um caso de obesidade moderada ou severa, em que j\u00e1 h\u00e1 comorbilidades e n\u00e3o h\u00e1 contraindica\u00e7\u00f5es cir\u00fargicas, o mais indicado \u00e9 fazer cirurgia bari\u00e1trica, para prevenir o fen\u00f3meno \u2018ioi\u00f4\u2019.\u201d Crucial, sublinha a docente, \u00e9 mesmo \u201cn\u00e3o baixar a guarda\u201d. \u201cIntervir enquanto ainda n\u00e3o \u00e9 grave, porque os recursos tamb\u00e9m s\u00e3o limitados.\u201d<\/p>\n

Ana Tulha\/NM<\/a><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

  Por que raz\u00e3o falamos em \u201ccomer emocional\u201d, a import\u00e2ncia da imagem corporal e da gen\u00e9tica, as consequ\u00eancias do excesso de peso na capacidade cognitiva e no processo das emo\u00e7\u00f5es. E uma nota de esperan\u00e7a face a um problema galopante. Ocen\u00e1rio \u00e9 familiar a todos. Se o n\u00e3o for por experi\u00eancia direta, h\u00e1 de s\u00ea-lo …<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":29882,"comment_status":"closed","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_jetpack_memberships_contains_paid_content":false,"footnotes":""},"categories":[169,46],"tags":[],"jetpack_sharing_enabled":true,"jetpack_featured_media_url":"https:\/\/revistamar.com\/wp-content\/uploads\/2024\/01\/obesidade.jpg","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/29881"}],"collection":[{"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=29881"}],"version-history":[{"count":1,"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/29881\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":29884,"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/29881\/revisions\/29884"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/media\/29882"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=29881"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=29881"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/revistamar.com\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=29881"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}