{"id":30228,"date":"2024-04-20T21:26:57","date_gmt":"2024-04-21T01:26:57","guid":{"rendered":"https:\/\/revistamar.com\/?p=30228"},"modified":"2024-04-23T08:24:54","modified_gmt":"2024-04-23T12:24:54","slug":"tony-amaral","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/revistamar.com\/amar\/entrevistas\/tony-amaral\/","title":{"rendered":"Tony Amaral"},"content":{"rendered":"
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Tony na sua oficina de impress\u00e3o – AB Printing (Foto: Mike Neal)<\/figcaption><\/figure>\n

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Fam\u00edlia, trabalho e boa disposi\u00e7\u00e3o \u2013 podemos afirmar, sem nos enganarmos muito, que estes s\u00e3o os tr\u00eas pilares da personalidade de Tony Amaral, um a\u00e7oriano que deixou a sua terra, com destino ao Canad\u00e1, ainda n\u00e3o tinha completado os 10 anos de idade e nunca mais voltou. Tem hoje 71, a caminho dos 72.<\/strong><\/p>\n

Foi na pequena aldeia de S. Pedro, no Nordeste, S\u00e3o Miguel, A\u00e7ores, que Tony nasceu. E l\u00e1 viveu uma inf\u00e2ncia igual \u00e0 de quase todos os que nasciam e cresciam na \u201cilha verde\u201d, mas foi em Toronto que se fez homem. Aqui, a escola deu-lhe a forma\u00e7\u00e3o base para o que viria a ser a sua profiss\u00e3o \u2013 Tony trabalha em artes gr\u00e1ficas, que surgiu na sua vida um pouco por acaso, mas que permaneceu at\u00e9 aos dias de hoje. Gosta do que faz, embora tenha j\u00e1 passado parte do \u201ctestemunho\u201d a um dos filhos, o Robert, que trouxe para a empresa que o pai criou e desenvolveu, a tecnologia, o design e a inova\u00e7\u00e3o, essenciais para a sobreviv\u00eancia neste s\u00e9culo XXI.<\/p>\n

Pai dedicado de tr\u00eas rapazes, av\u00f4 babado de um casal de netos (menina com 10 e menino com 7 anos) e marido de Berta (da Ilha da Terceira) h\u00e1 quase 50 anos, Tony afirma, sem hesita\u00e7\u00e3o, que acima de tudo est\u00e1 a fam\u00edlia, mesmo trabalhando sete dias por semana, na sua empresa e ainda fazendo a entrega de Pasta em domic\u00edlios e empresas. Sempre com um sorriso no rosto e, mais importante ainda, a fazer sorrir (ou mesmo rir \u00e0 gargalhada…) as pessoas com quem se vai cruzando. Quem sabe se n\u00e3o \u00e9 este o segredo da sua vitalidade, a mesma que o impede de sequer imaginar o que ser\u00e1 a sua vida quando \u201ccal\u00e7ar as pantufas\u201d. Talvez v\u00e1 aos A\u00e7ores…<\/p>\n

A inf\u00e2ncia<\/span><\/h3>\n

A 5 de novembro de 1952, nascia Tony Amaral, um dos cinco filhos de Arm\u00e9nia Amaral e Jos\u00e9 Mateus. Quando tinha 9 anos partiu para o Canad\u00e1 onde j\u00e1 vivia e trabalhava o seu pai, desde 1954. S\u00f3 nessa altura, quase com 10 anos, Tony conheceu verdadeiramente o seu pai. A fam\u00edlia reuniu-se em Toronto, deixando para tr\u00e1s a ilha.<\/p>\n

Que mem\u00f3ria tem do tempo em que viveu em S. Pedro?<\/strong>
\nA mem\u00f3ria que tenho dos meus tempos de crian\u00e7a \u00e9 de uma vida b\u00e1sica, mas boa. A verdade \u00e9 que n\u00e3o conhec\u00edamos nada melhor. N\u00e3o conhec\u00edamos nada de diferente. Por isso, \u00edamos para a escola, t\u00ednhamos um s\u00edtio para dormir, t\u00ednhamos comida e alguns amigos, familiares, muitos familiares. T\u00ednhamos uma vida igual aos outros. Jog\u00e1vamos futebol muitas vezes, brinc\u00e1vamos \u00e0 porta de casa com os meus primos, que eram nossos vizinhos. Portanto, basicamente, a inf\u00e2ncia foi normal para n\u00f3s. Claro que n\u00e3o t\u00ednhamos sapatos. N\u00e3o havia eletricidade na aldeia, nem canaliza\u00e7\u00e3o. A casa de banho era no exterior, o que, mais uma vez, era tudo normal. Nada diferente de qualquer outra crian\u00e7a da aldeia. T\u00ednhamos galinhas, t\u00ednhamos porcos, a minha m\u00e3e contratava algu\u00e9m para tratar dos porcos e do trabalho no quintal, das batatas e do trigo e desse tipo de coisas. Mas tanto quanto me lembro, nunca sofremos por n\u00e3o comer. Havia comida, sopas que a minha m\u00e3e fazia, p\u00e3o que ela cozia. Claro, a tradicional massa sovada, quando era ocasi\u00e3o para isso, esse tipo de coisas. Por isso, tanto quanto me lembro, n\u00e3o sofr\u00edamos com falta de comida.<\/p>\n

E ent\u00e3o… sim, s\u00e3o boas as mem\u00f3rias que tenho da minha inf\u00e2ncia, porque est\u00e1vamos com a fam\u00edlia. N\u00e3o viaj\u00e1mos para longe porque o meu pai estava aqui no Canad\u00e1. N\u00f3s \u00edamos ver os meus av\u00f3s, a minha av\u00f3 e o meu av\u00f4. Mas n\u00e3o viaj\u00e1mos muito para fora da aldeia porque a minha m\u00e3e tinha 5 filhos. Por isso, n\u00e3o \u00edamos muito longe era s\u00f3 ir \u00e0 igreja e voltar ou visitar um familiar. E t\u00ednhamos muitos… o meu av\u00f4 tinha 62 netos quando faleceu. Portanto, fam\u00edlias grandes.<\/p>\n

Quem vive numa ilha tem, normalmente, uma liga\u00e7\u00e3o afetiva com o mar. O que sente quando est\u00e1 perto do mar? H\u00e1 mem\u00f3rias que ficam mais claras?<\/strong>
\nSim. Gosto dos oceanos. Gosto principalmente das praias. Gosto muito de estar na \u00e1gua salgada. Mergulho sempre a minha m\u00e3o nela e ponho-a na boca s\u00f3 para a saborear. N\u00e3o. Quando vivia na minha terra, em crian\u00e7a, nunca fui a uma praia porque l\u00e1 n\u00e3o havia. Quer dizer, de certeza que havia, mas n\u00e3o a uma curta dist\u00e2ncia. O que t\u00ednhamos eram as costas rochosas onde as ondas vinham rebentar. Lembro-me de ir l\u00e1 pelo menos uma vez com os meus primos, mas n\u00e3o muito longe porque pod\u00edamos n\u00e3o voltar. Mas sim, lembro-me do oceano, depois do chapinhar do oceano, das ondas altas. E era tudo muito rochoso, extremamente rochoso.<\/p>\n

Quando saiu da sua terra j\u00e1 tinha dois anos da escola prim\u00e1ria. Custou-lhe deixar a sua escola e os seus colegas? Recorda-se do que l\u00e1 aprendeu e viveu?<\/strong>
\nNa minha terra, na ilha, que n\u00e3o me lembro de ter aprendido muito. Nem sequer me lembro de fazer qualquer tipo de trabalho, assim trabalhos escolares, como matem\u00e1tica e esse tipo de coisas. Eu queria era jogar futebol, juntamente com os outros rapazes. A s\u00e9rio… jog\u00e1vamos descal\u00e7os, part\u00edamos as unhas e a nossa m\u00e3e punha um peda\u00e7o de toucinho a derreter e punha uma gota para nos fazer sentir melhor. Sem dor. Lembro-me muito bem disso, mas n\u00e3o me lembro de nenhum tipo de trabalhos escolares. Pelo menos, n\u00e3o aprendi muito sobre Hist\u00f3ria portuguesa. Isso ent\u00e3o foi zero… zero. A \u00fanica coisa de que me lembro \u00e9 que, em crian\u00e7a, t\u00ednhamos um r\u00e1dio e ouv\u00edamos o Fernando Farinha, o relato do meu Benfica, a\u00ed aprendi os nomes dos jogadores Torres, Sim\u00f5es, Eus\u00e9bio eram esses os nomes que eu estava sempre a ouvir, mas de resto, n\u00e3o me lembro de aprender mais nada.<\/p>\n

Mas lembro-me que na escola, houve alguns incidentes em que nos sentimos v\u00edtimas de bullying, sem saber o que isso era na altura, at\u00e9 d\u00e9cadas mais tarde. Um dia est\u00e1vamos a falar com a minha irm\u00e3 e ela disse: “Oh, isso tamb\u00e9m me aconteceu. Oh, isto tamb\u00e9m me aconteceu a mim\u201d. E o que se passou foi que uma fam\u00edlia de S. Pedro vivia nos Estados Unidos e pediu aos membros da fam\u00edlia que apanhassem laranjas para dar a todas as crian\u00e7as da escola. E eles chegaram \u00e0 minha vez e disseram: “Oh, n\u00e3o lhe d\u00eas uma laranja. O pai dele est\u00e1 no Canad\u00e1\u201d. Na altura, eles sabiam o que isso significava. Passaram-se d\u00e9cadas, mas nunca me esqueci disso.<\/p>\n

O Canad\u00e1 na vida da fam\u00edlia<\/span><\/h3>\n

Todos sabemos que em 1953 o Saturnia atracou em Halifax e trouxe os primeiros imigrantes portugueses, sendo que a imensa maioria era proveniente das ilhas dos A\u00e7ores. Um ano depois, Jos\u00e9 Mateus, pai de Tony Amaral, chegou tamb\u00e9m \u00e0 procura de uma vida melhor para a fam\u00edlia.<\/p>\n

A chegada do pai<\/span><\/strong><\/p>\n

O meu pai chegou em 1954. N\u00e3o havia dinheiro, t\u00ednhamos de pedir emprestado. Por isso, acho que ele vendeu uma vaca que tinha, pelas hist\u00f3rias que ouvi. Venderam a vaca para arranjar dinheiro para vir para c\u00e1 e compraram umas coisas. O meu pai veio para o Canad\u00e1 e deixou-nos a n\u00f3s os cinco – eu, tr\u00eas irm\u00e3os meus e a minha m\u00e3e gr\u00e1vida do quinto filho. Por isso, foi dif\u00edcil o que ele fez. Veio para aqui, depois de vender a vaca. Veio num navio com a maioria dos outros, da Europa para a Nova Esc\u00f3cia. Ficou em quarentena e esperou semanas e semanas at\u00e9 lhe ser atribu\u00eddo um lugar para onde ir, o que aconteceu. Foi para o Quebeque. Trabalhou no Quebeque em quintas e, como trabalhador, foi-se deslocando \u00e0 medida que precisavam dele, at\u00e9 \u00e0 Columbia Brit\u00e2nica. Ele esteve l\u00e1 tamb\u00e9m, durante algum tempo.<\/p>\n

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