Um novo olhar sobre Beja
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Um novo olhar sobre Beja

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Tenho uma relação ambígua com a cidade de Beja. Foi para lá que os meus pais me mandaram estudar quando entrei para o Liceu, tinha eu treze anos. Na década de sessenta, Beja era uma cidade muito provinciana e conservadora, submissa à tradição católica. Tudo era censurado – o silêncio sobre as “Cartas de Amor de uma Freira Portuguesa” que era proibido ler-, apesar de a freira lá ter vivido e as cartas serem conhecidas pelo mundo, é apenas um dos exemplos da mentalidade da época prevalente na cidade. Sem saudades, deixei Beja para frequentar a Faculdade de Letras em Lisboa e senti-me num outro mundo.

Tenho voltado a Beja várias vezes, numa tentativa de reconciliação com a cidade. Fiz recentemente uma visita e fiquei o tempo suficiente para melhor apreciar, desta vez, a sua história antiga valorizada nas últimas décadas.
Fiquei instalada na Pousada de São Francisco, um convento do século XIV com localização privilegiada no centro da cidade. Utilizado como quartel nos meus tempos de estudante, foi depois restaurado respeitando a arquitetura primitiva. No largo, a entrada é valorizada com uma escultura do artista Jorge Vieira “Monumento ao Preso Político Desconhecido”. Muito próximo da Pousada, não pude deixar de visitar o Núcleo Museológico da Rua do Sembrano, resultado de escavações que se deram naquele local nas ultimas décadas do século XX.

Se olharmos com atenção para os vestígios ali expostos, que remontam até à Idade do Ferro, a cidade revela a passagem dos muitos povos antigos que se fixaram ao longo dos séculos no território português. PAX JULIA, foi o nome que os romanos deram à cidade, assim denominada quando os povos celtas se submeteram à soberania dos romanos na época de Júlio César. Há vestígios do povoamento dos celtas datados de 400 A.C. e achados arqueológicos provam a grande importância da romanização durante os séculos II e III A.C., os da permanência desse povo invasor na Península. Os cartagineses, os suevos e os visigodos marcaram, também ali, a sua presença antes dos árabes, que aí se fixaram de 714 até 1162, altura em que os portugueses conquistarem o território.

 

beja - revista amar - Foto 29 Biblioteca JSbeja - revista amar - Foto 16 Torre de menagembeja - revista amar - Foto 18 Vista da Torre 2beja - revista amar -beja - revista amar - Foto 24 Mouraria 2beja - revista amar - Foto 22 Vista do Castelo e Catedral

 

A minutos breves do Núcleo, no Largo da Conceição, e de visita obrigatória, ergue-se o Convento Nossa Senhora da Conceição, imortalizado por Soror Mariana Alcoforado, a freira cuja história da paixão fatal por um cavaleiro francês, durante as lutas entre Portugal e Espanha no decorrer do século XVIII, correu mundo. O francês publicou em França, sem seu consentimento, cartas de amor escritas por ela. Percorrer os corredores, entrar nas celas, admirar o trabalho de azulejaria das capelas e espraiar o olhar pelas grades da janela de Mariana é comovente e fi-lo em respeitoso silêncio.

Saí do Largo e caminhei até ao castelo, depois de admirar a monumental estátua que homenageia a rainha Dona Leonor e o Pelourinho na Praça da República. A Torre de Menagem do castelo, com cerca de 40 metros de altura, é considerada uma obra exemplar de construção militar. Um perfeito entardecer permitiu uma vista panorâmica da cidade e das planícies que se estendem à sua volta. No largo das armas, a Casa do Governador foi transformada num museu dedicado ao escultor Jorge Vieira. Percorri devagar, à maneira alentejana, as ameias e as ruínas das muralhas que circundam a Torre, sem deixar de parar o meu olhar no belo edifício da catedral do século XVI.

Lembrava-me bem das Portas de Moura e dos bairros da mouraria que quis voltar a ver. Já fora das muralhas, a Capela do Pé da Cruz, sóbria no exterior, é surpreendente de riqueza no interior pois conjuga talha, joalharia, azulejos e murais – uma joia de arquitetura barroca.

Beja, no entanto, não se limita à parte antiga. Desta vez, destaco apenas, na parte moderna, a biblioteca José Saramago, um espaço acolhedor, bem apetrechado, modelo a seguir para todos os que valorizam o saber. Sentindo-me reconciliada com Beja, tenciono regressar. Há muito mais para descobrir. Beja mudou bastante e é pena que nacionais e estrangeiros não o saibam.

Manuela Marujo

 

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