Tony Amaral
Entrevistas

Tony Amaral

Tony na sua oficina de impressão – AB Printing (Foto: Mike Neal)

 

Família, trabalho e boa disposição – podemos afirmar, sem nos enganarmos muito, que estes são os três pilares da personalidade de Tony Amaral, um açoriano que deixou a sua terra, com destino ao Canadá, ainda não tinha completado os 10 anos de idade e nunca mais voltou. Tem hoje 71, a caminho dos 72.

Foi na pequena aldeia de S. Pedro, no Nordeste, São Miguel, Açores, que Tony nasceu. E lá viveu uma infância igual à de quase todos os que nasciam e cresciam na “ilha verde”, mas foi em Toronto que se fez homem. Aqui, a escola deu-lhe a formação base para o que viria a ser a sua profissão – Tony trabalha em artes gráficas, que surgiu na sua vida um pouco por acaso, mas que permaneceu até aos dias de hoje. Gosta do que faz, embora tenha já passado parte do “testemunho” a um dos filhos, o Robert, que trouxe para a empresa que o pai criou e desenvolveu, a tecnologia, o design e a inovação, essenciais para a sobrevivência neste século XXI.

Pai dedicado de três rapazes, avô babado de um casal de netos (menina com 10 e menino com 7 anos) e marido de Berta (da Ilha da Terceira) há quase 50 anos, Tony afirma, sem hesitação, que acima de tudo está a família, mesmo trabalhando sete dias por semana, na sua empresa e ainda fazendo a entrega de Pasta em domicílios e empresas. Sempre com um sorriso no rosto e, mais importante ainda, a fazer sorrir (ou mesmo rir à gargalhada…) as pessoas com quem se vai cruzando. Quem sabe se não é este o segredo da sua vitalidade, a mesma que o impede de sequer imaginar o que será a sua vida quando “calçar as pantufas”. Talvez vá aos Açores…

A infância

A 5 de novembro de 1952, nascia Tony Amaral, um dos cinco filhos de Arménia Amaral e José Mateus. Quando tinha 9 anos partiu para o Canadá onde já vivia e trabalhava o seu pai, desde 1954. Só nessa altura, quase com 10 anos, Tony conheceu verdadeiramente o seu pai. A família reuniu-se em Toronto, deixando para trás a ilha.

Que memória tem do tempo em que viveu em S. Pedro?
A memória que tenho dos meus tempos de criança é de uma vida básica, mas boa. A verdade é que não conhecíamos nada melhor. Não conhecíamos nada de diferente. Por isso, íamos para a escola, tínhamos um sítio para dormir, tínhamos comida e alguns amigos, familiares, muitos familiares. Tínhamos uma vida igual aos outros. Jogávamos futebol muitas vezes, brincávamos à porta de casa com os meus primos, que eram nossos vizinhos. Portanto, basicamente, a infância foi normal para nós. Claro que não tínhamos sapatos. Não havia eletricidade na aldeia, nem canalização. A casa de banho era no exterior, o que, mais uma vez, era tudo normal. Nada diferente de qualquer outra criança da aldeia. Tínhamos galinhas, tínhamos porcos, a minha mãe contratava alguém para tratar dos porcos e do trabalho no quintal, das batatas e do trigo e desse tipo de coisas. Mas tanto quanto me lembro, nunca sofremos por não comer. Havia comida, sopas que a minha mãe fazia, pão que ela cozia. Claro, a tradicional massa sovada, quando era ocasião para isso, esse tipo de coisas. Por isso, tanto quanto me lembro, não sofríamos com falta de comida.

E então… sim, são boas as memórias que tenho da minha infância, porque estávamos com a família. Não viajámos para longe porque o meu pai estava aqui no Canadá. Nós íamos ver os meus avós, a minha avó e o meu avô. Mas não viajámos muito para fora da aldeia porque a minha mãe tinha 5 filhos. Por isso, não íamos muito longe era só ir à igreja e voltar ou visitar um familiar. E tínhamos muitos… o meu avô tinha 62 netos quando faleceu. Portanto, famílias grandes.

Quem vive numa ilha tem, normalmente, uma ligação afetiva com o mar. O que sente quando está perto do mar? Há memórias que ficam mais claras?
Sim. Gosto dos oceanos. Gosto principalmente das praias. Gosto muito de estar na água salgada. Mergulho sempre a minha mão nela e ponho-a na boca só para a saborear. Não. Quando vivia na minha terra, em criança, nunca fui a uma praia porque lá não havia. Quer dizer, de certeza que havia, mas não a uma curta distância. O que tínhamos eram as costas rochosas onde as ondas vinham rebentar. Lembro-me de ir lá pelo menos uma vez com os meus primos, mas não muito longe porque podíamos não voltar. Mas sim, lembro-me do oceano, depois do chapinhar do oceano, das ondas altas. E era tudo muito rochoso, extremamente rochoso.

Quando saiu da sua terra já tinha dois anos da escola primária. Custou-lhe deixar a sua escola e os seus colegas? Recorda-se do que lá aprendeu e viveu?
Na minha terra, na ilha, que não me lembro de ter aprendido muito. Nem sequer me lembro de fazer qualquer tipo de trabalho, assim trabalhos escolares, como matemática e esse tipo de coisas. Eu queria era jogar futebol, juntamente com os outros rapazes. A sério… jogávamos descalços, partíamos as unhas e a nossa mãe punha um pedaço de toucinho a derreter e punha uma gota para nos fazer sentir melhor. Sem dor. Lembro-me muito bem disso, mas não me lembro de nenhum tipo de trabalhos escolares. Pelo menos, não aprendi muito sobre História portuguesa. Isso então foi zero… zero. A única coisa de que me lembro é que, em criança, tínhamos um rádio e ouvíamos o Fernando Farinha, o relato do meu Benfica, aí aprendi os nomes dos jogadores Torres, Simões, Eusébio eram esses os nomes que eu estava sempre a ouvir, mas de resto, não me lembro de aprender mais nada.

Mas lembro-me que na escola, houve alguns incidentes em que nos sentimos vítimas de bullying, sem saber o que isso era na altura, até décadas mais tarde. Um dia estávamos a falar com a minha irmã e ela disse: “Oh, isso também me aconteceu. Oh, isto também me aconteceu a mim”. E o que se passou foi que uma família de S. Pedro vivia nos Estados Unidos e pediu aos membros da família que apanhassem laranjas para dar a todas as crianças da escola. E eles chegaram à minha vez e disseram: “Oh, não lhe dês uma laranja. O pai dele está no Canadá”. Na altura, eles sabiam o que isso significava. Passaram-se décadas, mas nunca me esqueci disso.

O Canadá na vida da família

Todos sabemos que em 1953 o Saturnia atracou em Halifax e trouxe os primeiros imigrantes portugueses, sendo que a imensa maioria era proveniente das ilhas dos Açores. Um ano depois, José Mateus, pai de Tony Amaral, chegou também à procura de uma vida melhor para a família.

A chegada do pai

O meu pai chegou em 1954. Não havia dinheiro, tínhamos de pedir emprestado. Por isso, acho que ele vendeu uma vaca que tinha, pelas histórias que ouvi. Venderam a vaca para arranjar dinheiro para vir para cá e compraram umas coisas. O meu pai veio para o Canadá e deixou-nos a nós os cinco – eu, três irmãos meus e a minha mãe grávida do quinto filho. Por isso, foi difícil o que ele fez. Veio para aqui, depois de vender a vaca. Veio num navio com a maioria dos outros, da Europa para a Nova Escócia. Ficou em quarentena e esperou semanas e semanas até lhe ser atribuído um lugar para onde ir, o que aconteceu. Foi para o Quebeque. Trabalhou no Quebeque em quintas e, como trabalhador, foi-se deslocando à medida que precisavam dele, até à Columbia Britânica. Ele esteve lá também, durante algum tempo.

 

 

A viagem da mãe com os filhos

Os aviões só os via a passar no céu. Para uma criança teria tanto de misterioso quanto assustador, entrar num avião e sentir que a terra lhe fugia dos pés. A primeira viagem ligou São Miguel a Sta. Maria e foi o ponto de partida para uma nova vida, num país distante, onde se falava uma língua estranha e tudo era muito diferente da realidade que Tony conhecia até então.

Como foi a viagem e a chegada a Toronto?
Nós não sabíamos nada de nada. Um dia, entrámos no avião que fazia a ligação de São Miguel para Santa Maria. E no dia seguinte apanhámos um avião (da TWA) para Nova Iorque. Mudámos de avião em Nova Iorque. Aterrámos em Toronto. Toda a gente a dormir. Chegámos a meio da noite, e toda a gente estava a dormir. Não estava lá ninguém. E entre nós não havia absolutamente ninguém que falasse inglês, ninguém para nos ajudar. Até que apareceu um homem simpático e começou a falar com a minha mãe. Ele era português e conhecia o meu pai, conhecia os meus tios e trouxe-nos para casa a meio da noite. O meu pai tinha estado no aeroporto no dia anterior. Fiquei a saber isto depois, claro… de acordo com a agenda dele, era suposto termos chegado no dia anterior, por isso ninguém apareceu. Portanto, a viagem foi interessante, mas foi assustadora, foi muito assustadora, porque nós nunca tínhamos visto aviões, apenas os víamos a uns 30.000 pés no céu. E viajar num era diferente. Depois olhámos pela janela e, para mim, parecia que estávamos a cerca de sete metros da água. E voar, aterrar… não é agradável. E depois, já no aeroporto, vimos escadas rolantes. Uau. O que é que isto faz? Escadas rolantes? Eu nunca tinha visto escadas rolantes antes. O que é que elas fazem? Sobem e descem? Não sabíamos o que fazer, mas lá fomos. Sim. Foi uma experiência diferente para um miúdo de dez anos. Mesmo no avião, a viagem de avião na TWA, lembro-me de nos darem comida, não fazíamos ideia o que era, e deram-nos pacotes de sal e pimenta, e eu não sabia o que era aquilo, por isso, pus tudo na comida e, claro, ficou demasiado salgada. Foi um bocado deprimente, mas de qualquer forma é a minha memória desses dois dias em particular.

E onde ficaram a viver?
O meu pai já tinha arranjado um apartamento para nós irmos quando chegássemos. E o meu tio e a sua família viviam em baixo. E isto era tudo em Bellevue e Nassau. Ele tinha arranjado um apartamento e nós não ficámos lá muito tempo, talvez um mês. Havia muita gente, nós éramos sete e eles eram nove, portanto, havia muita gente numa só casa. O meu pai comprou outra casa ao fundo da rua, mudámo-nos para lá e ficámos lá mais seis meses. Depois, no espaço de um ano, mudámo-nos. Nós andámos numa escola pública, andámos na Ryerson Public School, em Bathurst, e assim foi. E depois o meu pai andou à procura de outra casa e fomos para a chamada Robert Street, a norte da College, perto de Spadina. Foi aí que ficámos.

O pilar: a mãe Arménia

A matriarca que escora toda a família, a mulher que fica sozinha com uma mão cheia de filhos, que educa, que alimenta… a mãe que segura toda a estrutura familiar e cuida.

A sua mãe, quando chegou ao Canadá, trabalhou?
A minha mãe era dona de casa. Onde, como podem imaginar, com cinco filhos e o meu pai era um trabalho a tempo inteiro. E assim foi durante toda a vida dela. Ela nunca trabalhou fora de casa. Sem querer ganhar nada, porque trabalhar em casa não tem preço. Não se pode pôr um preço nisso. Essa era a regra dela e mantinha a família, sabe, limpava tudo, lavava, a comida era preparada por ela. Tudo, ela fazia tudo.

Ela aprendeu a falar inglês?
Nós, claro, não falávamos inglês, nem líamos ou escrevíamos. Portanto, em casa falávamos português, mas quando estávamos fora das nossas portas, não tínhamos escolha, porque não havia outras crianças realmente portuguesas, da nossa idade, para comunicar em português. Por isso, aprendemos rapidamente a falar inglês porque não havia outra opção para comunicar. A minha mãe não sabia inglês, ou falava apenas o suficiente para comunicar. Mas, nos anos 80, decidiu voltar à escola, para aprender a ler e a escrever inglês. A razão principal foi poder falar com os netos e isso ela conseguiu. Não precisava de falar inglês com os filhos ou a filha, porque somos todos bilingues, mas com os netos sim. Foi isso que ela fez e era muito boa nisso. Começou a ler jornais em casa e a comprar revistas ou o que quer que fosse necessário para melhorar a sua leitura, o que ela fez. E o mais engraçado é que estávamos sempre a falar português com ela em casa dela. Era português. Às vezes, eu falava em inglês. E depois, quando ela começou a aprender, ela estava a falar inglês e nós falávamos português com ela. Então foi interessante. Foi bom. Ela gostou. Foi ótimo.

Que mulher!
A minha mãe morreu há nove anos, e há uns 20 anos ela ligou-me e disse: “Tony, queres vir cá no sábado? Quero ir às compras”. Eu disse, “ok, ótimo”. Não discutimos. Nunca discutimos entre mim e os meus irmãos. Nunca houve uma discussão. Quem é que vai descer e levá-la às compras? Costumávamos discutir quem é que ia? Não era para não ir. Ela disse “ótimo”. O que era normal era eu ir buscá-la tomávamos um café com torradas e depois “vamos lá. Onde é que vamos?”. “Para a casa funerária”, respondeu a minha mãe. E eu “funerária?”. “Sim. Casa funerária” e eu respondi “Está bem. Vamos lá”. Então fomos à funerária e ela escolheu tudo. Pagou por tudo. E a partir daí… “Pronto. Já acabámos?” disse eu, “vamos almoçar?” e a resposta foi: “não, primeiro vamos ao cemitério”. Ok, então fomos ao cemitério onde o meu pai já estava e ela tratou de tudo, pagou e depois disse, “agora vamos almoçar”. Mais tarde, perguntei “porque é que não pediste aos meus outros irmãos para virem contigo? Ela respondeu, “porque eles são cobardes. Porque provavelmente não o fariam”. Então, ela escolheu tudo sozinha, pagou por tudo, quando morreu tinha já tudo planeado. Estava tudo feito. Não houve nenhum desses pânicos. Sabes, isto e aquilo. Estava tudo planeado. Ela era bem organizada. A minha mãe era o pilar. Ela era o pilar quando estava sozinha connosco nos Açores. Ela foi o pilar depois do meu pai ter morrido. Ela era o pilar. O meu pai faleceu em 1990 de um ataque cardíaco, em casa, e ela morreu em 2015, sempre sendo o pilar da família. Tudo era feito à volta dela.

 

 

Tony e Berta: juntos há 50 anos

Na vida os caminhos raramente são a direito. Há sempre curvas e contracurvas, obstáculos e situações inesperadas que vão desenhando o nosso percurso. Quando é que o jovem ajudante de leiteiro ia imaginar que numa das casas onde deixava o leite, vivia a mulher da sua vida?

Como conheceu a sua esposa?
Vamos voltar a meados dos anos 60. Nessa altura, fazia-se a distribuição do leite em casa, havia o leiteiro que fazia esse trabalho, diariamente. E eu um dia, sem mais nem menos, perguntei ao leiteiro: “Precisa de alguém para o ajudar?” E ele para minha surpresa, respondeu-me que sim. Então comecei a ajudá-lo como leiteiro. Não durante os dias de escola, mas aos sábados e durante todo o verão, fazia entregas porta a porta, principalmente a portugueses e a algumas empresas. E costumava deixar leite na casa da que veio a ser minha mulher. Mas nunca a conheci, nunca a vi, nunca veio à porta. Eu só lá deixava o leite. E depois, anos mais tarde, num casamento, conhecemo-nos. Em 1974, casámo-nos, portanto já vamos fazer 50 anos de casados em agosto. A minha mulher também é das ilhas, é da Terceira. Mas, mais uma vez, tal como eu, ela veio para cá também muito nova, também tinha dez anos, na altura.

Pai e avô

É uma frase do próprio Tony – família acima de tudo. E não se pense que é apenas por ser agora um avô babado, que brinca e mima os netos. Enquanto pai, Tony já tinha a preocupação de estar o mais presente possível na vida dos filhos.

No meio da sua vida profissional tão ocupada sempre conseguiu arranjar tempo para os seus filhos e netos?
Sim. Sim, eu estava sempre lá – para a escola e para depois da escola. Fazia questão de ir para a escola com eles ou para os encontros com professores. Fui a todas as reuniões escolares que eles tiveram, os três, claro. O desporto. Eu estava sempre lá. Sem arrependimentos, sem perdas. Foi ótimo. Para mim, a vida familiar esteve sempre presente, independentemente do trabalho. Foi sempre a primeira escolha. Ainda hoje, a família é o número um. Tudo o resto, sabes, o trabalho ou o que não é, fica para trás. A família está sempre em primeiro lugar. Estou sempre a dizer ao meu filho Robert que, se um dos filhos estiver doente, a família está em primeiro lugar, não porque ele trabalha aqui, não porque é meu filho, diria isso a qualquer pessoa. É a família em primeiro lugar. Tudo o resto pode demorar um bocadinho a acontecer também.

E como é como avô? Impõe respeito ou faz-lhes as vontades todas?
Eles são os reis. Gosto de os ter comigo. Gosto mesmo de brincar com eles. Levá-los à rua ou comer um gelado ou fazer qualquer coisa, por exemplo jogar futebol com eles lá fora. Qualquer coisa. Até hóquei em bola, como lhe chamamos aqui, qualquer coisa, qualquer coisa que possamos fazer para estar com eles. É ótimo. Mas para os meus netos… não há regras. Quando estão comigo está aberta a época de fazerem o que lhes apetece. Queres chocolate para o pequeno-almoço? Vamos lá. Queres um gelado para o pequeno-almoço? Vamos a isso. Não imponho regras nenhumas.

Ao telefone e no trabalho (foto: Mike Neal)

Profissão: tipógrafo e distribuidor de Pasta

Das suas mãos, literalmente, saíram muitos trabalhos de composição gráfica. Daqueles que nasciam sem recurso a sistemas informáticos, exigindo horas e horas de dedicação. Foi esta a profissão (artes gráficas) que Tony Amaral abraçou há muitos anos, desde o tempo em que ainda se sentava nos bancos da escola. Mais tarde, aceitou ser também distribuidor de Pasta e trabalha sete dias por semana.

Como aprendeu a sua arte?
Andei numa escola de comércio, que era, onde nos ensinavam profissões como impressão, alvenaria, carpintaria, oficina mecânica, canalização, mecânica. E eu fiz o curso de impressão, durante uma época, um ano. E depois, no ano seguinte, fiz outra coisa e repeti a impressão no terceiro ano. Em 1971, precisei de um emprego para o verão. E o meu irmão mais velho, tinha um amigo que disse que estava à procura de alguém para ir trabalhar. Por isso, deu-me a morada eu apanhei o autocarro, o elétrico, fui até à Bay e Wellington e fui ver que trabalho era. Fiquei lá o resto do dia e a partir daí é história. Posso dizer que não foi bem uma escolha, foi muito fruto do acaso, mas lá entrei neste mundo do “printing”, desde 1971. Hoje posso dizer que estou satisfeito com a profissão que escolhi, porque, naquela altura, aprendia-se uma profissão. E naquela altura, nos anos 70 e 80, podia-se ir a quase todas as empresas que tinham máquinas de impressão e arranjava-se emprego. Estou orgulhoso do que escolhi fazer e cá continuo. Estou muito orgulhoso, sabes, sem arrependimentos.
Em 1993, saí de onde estava a trabalhar e abri esta empresa aqui. Não foi fácil. Não tinha mesmo clientes. Por isso, comecei a telefonar às pessoas e a bater às portas e, aos poucos, davam-me um trabalho. Voltava para aqui, fazia o trabalho e, no dia seguinte, levava-o de volta. Não foi fácil, mas consegui fazê-lo. E lentamente, lentamente, foi-se construindo uma relação com os clientes. E com o boca-a-boca, porque basicamente, a divulgação dos serviços que prestava era feita através do boca-a-boca, porque não havia Internet nem aparelhos eletrónicos. Por isso, sim, foi um desafio, mas consegui. Trabalhei sozinho durante cinco anos. E ainda arranjei um segundo emprego. Ainda trabalho nesse emprego, e faço entregas para uma empresa italiana. Entrego Pasta e faço-o com gosto. Gosto dos meus dois trabalhos. E trabalho sete dias por semana, um ano inteiro. Mas não vou para lá às cinco da manhã e chego a casa às oito da noite. Não, não é esse o caso. Eu, eu vou para lá às 6:00 da manhã e normalmente 2:30 já acabei. Por isso, como eu disse, gosto de fazer as duas coisas. Sabes, uma é diferente da outra. Totalmente diferente. Agora, aqui na empresa, tenho o meu filho mais velho, Robert, a trabalhar comigo. O plano era, quando ele chegou, não aprender a minha maneira de fazer as coisas, porque isso era um pouco antigo, mas aprender a nova maneira de trabalhar com os computadores, os gráficos, o design, a produção e tudo o resto. E assim foi. E ele está a sair-se muito bem nisso, muito bem mesmo. Ele, basicamente, consegue gerir tudo sozinho, neste momento.

 

Tony com a equipa de basquetebol

Tony e o desporto

Já na ilha Tony se juntava aos amigos para jogos de futebol de pé no chão (literalmente). Foi sempre uma paixão a atividade física, mas no Canadá descobriu outras modalidades desportivas que ainda não tinham chegado aos “campos de treino” de S. Pedro, no Nordeste.

E o basquetebol, como surgiu na sua vida?
Sempre gostei de praticar desporto. Especialmente três deles, que são o futebol, o voleibol e o basquetebol. Comecei a jogar basquetebol aqui no Canadá, no 7º ou 8º ano, e continuei com o futebol e também com o voleibol no High School. Mas jogávamos basquetebol todos os dias. Sempre que conseguíamos arranjar um ginásio em qualquer lado, íamos. George Brown tinha um ginásio. Costumávamos ir lá aos fins-de-semana a toda a hora. As pessoas que geriam as limpezas já nos conheciam. “Vão, vão, entrem. Nós conhecemo-los. Não vão fazer nada”. Então, sim, jogávamos sempre, sete dias por semana, só porque gostávamos de jogar basquetebol. Um grupo de nós aqui. Eu não era um tipo grande, tinha talvez 1,80 m, portanto, não era um tipo grande, mas era ativo. Sim, era muito ativo, por isso me agradava tanto o desporto.

61 anos sem Açores

Não foi propriamente intencional, mas também nunca sentiu o apelo das suas raízes. Desde que saiu de São Miguel com 10 anos não voltou mais. Nem sabe bem explicar porquê, apenas sabe que nunca sentiu vontade de regressar à terra onde nasceu. Quem sabe um dia…

Vai aos Açores habitualmente?
Não. Estou cá há quase 61 anos e nunca mais voltei. Não tinha aquele apetite, aquele passarinho ou pequeno inseto a dizer vai, vai. Não tinha vontade de ir, por isso nunca fui. Mas saí daqui, fui a outros sítios, estivemos nas Bahamas, em Cancun e na Florida. Fort Lauderdale. Muitas vezes, muitas vezes. E gostamos muito disso. Mas, mais uma vez, em relação aos Açores, eu não tive alguém a dizer por detrás de mim – vai, vai, vai. Eu nunca tive isso. Por isso nunca fomos. A minha mulher nunca mais voltou. Bem, ela esteve lá uma vez quando era adolescente. Isso foi antes de a conhecer. Mas também nunca mais lá voltou. Portanto, nós os dois estamos na mesma situação. Não fomos aos Açores, mas eu vejo vídeos, vejo fotografias, ainda temos em casa o hábito de comer as nossas comidas tradicionais, de que gostamos. Costumamos ver as notícias a toda a hora, as notícias portuguesas. Vemos telenovelas portuguesas todos os dias. As que passam na televisão, vemo-las todos os dias, gravamos e vemos as últimas. Na alimentação, ainda comemos comida tradicional. Isso não muda. Sim, comemos algumas das coisas canadianas ou outras, mas os alimentos tradicionais não mudaram. Continuamos a comê-las. Ou seja continuamos ligados a Portugal, pelo menos através do estômago, (risos), através do estômago temos uma ligação, correto?

E o futuro… como vai ser?

Como um homem que trabalhou toda a vida, como imagina a sua reforma? Vai finalmente “calçar as pantufas”? O que pensa fazer quando chegar a hora de parar de trabalhar?
Eu vou para Portugal. Vou para os Açores. Talvez no futuro, nunca sabemos. Nunca sabemos o que vamos fazer. Se ambos decidirmos reformar-nos, então teremos mais tempo. Mas neste momento, na verdade, ela é igual. Às vezes está um pouco deprimida, mas vai trabalhar. Trabalha quatro dias por semana. Por isso, ela também está bem. Mas nunca se sabe. Talvez um dia, se ambos dissermos, ok, o nosso amigo diz que temos o suficiente. Tu tens o suficiente. Por isso, nunca se sabe. Então temos mais tempo. Podemos ir agora mesmo. Para já, não há qualquer interesse. Como eu disse, ela também adora o que faz, também trabalha para a mesma empresa que eu, a vender massas. Por isso, sim, gostamos. Então, não há absolutamente nenhum plano de reforma. Não há necessidade. Vou aborrecer-me. O meu corpo dir-me-á quando estiver pronto, neste momento – não tenho dores, o meu cérebro ainda está a funcionar, não tenho problemas com as minhas pernas e braços, consigo curvar-me. Provavelmente, consigo fazer flexões, o que já não faço há muito tempo. Mas não, neste momento, não há planos de reforma. Não, até o meu corpo me dizer o contrário.

 

 

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